quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Míriam Leitão - Uma nova oposição

- O Globo

Os ingleses chamam de shadow cabinet e funciona assim: a oposição monta núcleos de especialistas que acompanham assuntos de cada área para fiscalizar o governo, uma espécie de governo paralelo. É isso que o PSDB vai fazer. Esta eleição deu ao partido a derrota e uma nova força. Foi com essa força que o senador Aécio Neves entrou ontem no Senado para falar.

Para que a democracia funcione bem, o papel da oposição é fundamental. Afirmações como as que o senador Aécio fez durante o debate, como o fato de que o empréstimo para o porto de Cuba tem como garantia pesos cubanos depositados em bancos de Cuba, passarão a ser feitas mais assiduamente. No caso em questão, as condições do empréstimo são sigilosas, mas ele conseguiu o documento do Ministério do Desenvolvimento e denunciou durante a campanha. Ao falar ontem no Senado, o candidato derrotado fez mais do que lamentar. Fez um discurso vigoroso mostrando os erros dos métodos de campanha escolhidos, como as mentiras que foram ditas, uso "despudorado" da máquina e a manipulação da informação econômica.

Principalmente ele denunciou a "intimidação" dos pobres de perda dos benefícios sociais caso votassem nos candidatos de oposição. Em alguns pontos, foi mais enfático ao dizer o que a oposição combaterá. Um exemplo, a corrupção na Petrobras. Quando foi respondido pelo líder do PT, Humberto Costa, lembrou que o próprio senador governista tinha chamado as denúncias que levaram à criação da CPI de "factoide". Não se discutiu muito política externa durante a campanha, mas, ontem, o senador criticou o isolamento do Brasil no mundo e a ligação com governos ideologicamente próximos. O país tem, de fato, perdido relevância no diálogo diplomático global, tem deixado de fazer acordos comerciais, está perdendo espaço no comércio mundial.

Ao falar que "comunga" com Marina os ideais da transição para uma economia de baixo carbono, que Aécio definiu como um "imperativo " no mundo de hoje, o senador tenta manter parte do apoio dos eleitores da ex-candidata. Ao mesmo tempo, atualiza o discurso do PSDB na área ambiental e climática. Voltou a falar de Marina no final, quando diz que ela ter á sempre seu protagonismo. No discurso, Aécio pesou bem racionalidade e emoção. Com indignação, reagiu ao documento oficial do PT que chamou a sua candidatura de incorrer nas práticas de "racismo, machismo, preconceito, ódio, intolerância e nostalgia da ditadura militar".

Lembrou que era documento oficial e disse que essas ofensas o partido está jogando aos 51 milhões de eleitores que votaram em sua chapa. Deixou claro que não quer recontagem de votos, nem discute o resultado das urnas, e repudiou as ofensas do documento do partido. No plano racional, ele mostrou como a negação da crise econômica vem sendo desmontada diariamente pelos números e decisões do governo, mal foram fechadas as urnas. E, de fato, há uma coleção impressionante de índices que comprovam os problemas que ele apontou: a inflação que levou a juros mais altos, o rombo fiscal, o déficit comercial, a produção industrial, apenas para ficar nos dados que foram anunciados nos últimos dias.

Com o gabinete paralelo, o que a oposição quer fazer é acompanhar as ações do governo atentamente para criticar com dados e informações concretas. Durante a campanha, o senador Aécio Neves teve a assessoria de um grupo grande de especialistas que tornaram mais exatas e bem informadas as críticas que ele manteve no debate. É com essa disposição que o PSDB quer trabalhar nos próximos quatro anos para fazer, como disse o senador, uma oposição incansável e intransigente.

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