• Hostilidade entre EUA e Cuba só alimentava uma lógica anacrônica; falta a Washington, agora, encerrar o embargo imposto à ilha
Com uma conversa telefônica na terça-feira (16), Barack Obama e Raúl Castro acertaram os últimos detalhes do anúncio histórico que os dois líderes fariam no dia seguinte, em discurso simultâneo: EUA e Cuba vão retomar as relações diplomáticas, rompidas em 1961.
Mediado pelo Canadá e pelo papa Francisco, o acordo vinha sendo negociado de forma secreta desde junho de 2013. Prevê, entre outros itens, abertura de embaixadas, libertação de presos e mudanças como ampliação do limite de remessas de dinheiro a cubanos, melhoria dos serviços de comunicação da ilha e retirada de Havana da lista de patrocinadores do terrorismo.
Faltou, para que se eliminassem todos os resquícios da Guerra Fria nas Américas, encerrar o embargo econômico que os Estados Unidos impõem a Cuba. A suspensão formal do bloqueio comercial e financeiro, no entanto, depende do aval do Congresso americano, onde Obama não tem a maioria.
Trata-se, ainda assim, de avanço formidável. Decretada no final do mandato de Dwight D. Eisenhower, a hostilidade entre os dois países atravessou o governo de nove presidentes americanos.
A ruptura não era estranha naquele mundo bipolar. Em 1959, Fidel Castro liderou a revolução que depôs Fulgencio Batista, ditador simpático a Washington, e implantou um novo regime ditatorial, que teria caráter comunista. Cuba passou a nacionalizar empresas americanas; a União Soviética ganhou um aliado a 144 km da Flórida.
Há evidências de que, de 1960 a 1965, fracassaram ao menos oito tentativas de derrubar Fidel --a mais famosa delas deu-se em abril de 1961, sob a Presidência de John Kennedy, por meio de uma desastrada investida na baía dos Porcos.
O auge da tensão veio em 1963, com o bloqueio naval de Cuba após a descoberta de que Fidel autorizara Moscou a instalar mísseis nucleares na ilha. O impasse só terminou depois de acordo entre as duas potências para a retirada do arsenal, na maior crise da Guerra Fria.
Nos anos seguintes, se Washington apoiava governos de direita na América Latina, Havana financiava e treinava guerrilheiros. Os EUA, assim, por muito tempo olharam a região pelo prisma cubano, e ainda hoje não são poucos os debates que bebem dessa fonte.
Essa lógica anacrônica, enfim, está oficialmente morta. Já agonizava há algum tempo, sem dúvida. Pesquisa do começo deste ano mostrou que 56% dos americanos defendiam a normalização das relações com Cuba, e Barack Obama, sequioso por dar satisfações ao lado progressista de seu partido, decerto levou isso em conta.
Raúl Castro, por sua vez, desde a década passada dava sinais de maior pragmatismo, talvez disposto a conduzir a ilha a uma experiência semelhante àquela da China.
Seja como for, os dirigentes cubanos perderam um de seus motes; não poderão mais justificar as violações aos direitos humanos, ou a própria ditadura, sob a égide do antiamericanismo. Terão menos força para resistir às pressões democratizantes --e estas só se intensificarão se o embargo cair.
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