• Denúncia de propina mancha presença brasileira no Caribe
Valor Econômico
A Queiroz Galvão constrói a maior hidrelétrica da Nicarágua, o Grupo Gerdau tem siderúrgicas na Guatemala e em Honduras, os Biagi exportam etanol a partir de El Salvador com tarifa zero para os Estados Unidos e a Ambev, desde a fusão com a argentina Quilmes, espalhou-se no Caribe.
Financiadas pelo BNDES, as indústrias brasileiras não param de se expandir na região numa estratégia casada com a diplomacia empresarial que ganhou alento com a era petista.
Os resultados desses negócios têm sido menos questionados do que sua contrapartida política. O mesmo Brasil que há dez anos comanda a ocupação militar no Haiti arvorou-se, em nome da democracia, a defender o ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya contra o golpe que o destituiu em 2009.
Diz-se que a presença política e empresarial do Brasil no Caribe vai iniciar um novo capítulo com o reatamento das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba. Enquanto os americanos estariam na expectativa de um maior ativismo do Itamaraty na abertura política cubana, o governo brasileiro comemora a decisão estratégia do investimento em Mariel, porto construído a 40 quilômetros de Havana com financiamento do BNDES.
A imagem de aprendiz imperialista de que goza em Porto Príncipe não é o maior obstáculo ao Brasil no Caribe. Uma das mais bem sucedidas multinacionais brasileiras, a Embraer, começou a ser investigada pelo Departamento de Justiça, o equivalente ao ministério público americano, e pelo regulador dos mercados (SEC) depois de fazer negócios com o governo da República Dominicana.
Terceiro maior fabricante de aviões do mundo, a Embraer é investigada nos Estados Unidos por ter fábrica na Flórida e ações na Bolsa de Nova York, condição que a deixa na mira da lei anticorrupção americana, a FCPA (Foreign Corrupt Practices Act).
Em 2010, a Embraer firmou um contrato com a Força Aérea Dominicana de US$ 92 milhões que incluiu a venda de oito caças. A venda foi financiada pelo BNDES e os pilotos dominicanos foram treinados pela Força Aérea Brasileira.
Na investigação, a Embraer é acusada de ter pago uma propina de US$ 3,5 milhões a um coronel da Força Aérea Dominicana, hoje aposentado, e a um senador.
Com nome de ave (Super Tucanos) e dentes de tubarão pintados na fuselagem os aviões da Embraer destinam-se a derrubar os aviões de cartéis que distribuem do céu pacotes de cocaína para traficantes.
É com o exemplo colombiano, que se valeu deles para enfrentar as Farc, que a empresa se propagandeia no Caribe. Já vendeu unidades à Guatemala e negocia com Honduras. Só não conseguiu entrar na Venezuela por veto do governo dos Estados Unidos, de onde vem a maioria dos componentes do Super Tucano. Pressão semelhante à que, esta semana, impediu o vice-premiê russo de ser recebido na sede da empresa em São José dos Campos.
A aproximação das forças aéreas brasileira e dominicana começou em 1948 quando o ditador Rafael Trujillo contratou dois pilotos brasileiros para, a partir de uma pista clandestina na Amazônia, bombardear o refúgio de dissidentes de seu governo em Caracas. A aventura, fracassada, está contada no livro "A serviço do generalíssimo - Pilotos brasileiros na República Dominicana", Hélio Higuchi.
A Embraer só seria criada 20 anos depois e o primeiro avião só seria produzido pela empresa em 1981. Em 1994, a empresa foi privatizada. Desde então seu faturamento foi multiplicado por dez. Seu crescimento é creditado a uma atuação livre das amarras de uma empresa de economia mista, como a Petrobras.
A liberdade da Embraer não a impediu de ser a precursora da Petrobras na SEC. São as únicas multinacionais brasileiras sob investigação nos Estados Unidos. O acordo da Justiça americana se arrasta com a Embraer há cinco anos, entre outros motivos, pelo esfriamento das relações entre Brasil e Estados Unidos.
Como a Petrobras agora também entrou na roda, o governo brasileiro pode ter mais interesse numa reaproximação com a diplomacia americana. Está em jogo um acordo que implica no pagamento de multa para evitar ação judicial e o derretimento ainda maior das ações da Petrobras no mercado.
A governança privada de uma não lhe fez mais transparente que a outra. Desde o início das investigações, há cinco anos, dos oito vice-presidentes, diretores e gerentes da Embraer mencionados, apenas três deixaram a empresa.
A Embraer não confirma nem desmente. Limita-se a informar que colabora com a investigação num lacônico comunicado que está longe de servir como um cartão de visitas para o Brasil na nova era do Caribe.
A lei anticorrupção foi um compromisso assumido pelo Brasil na convenção da OCDE que, há 14 anos, definiu parâmetros para coibir o suborno de agentes públicos por empresas privadas.
Foi aprovada em 1º de agosto de 2013, na onda das manifestações, e entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014.
Apesar de já valer, sua regulamentação é ansiosamente aguardada. Dela depende a gradação das multas, que vai variar de 0,1% a 20% do faturamento a depender da hierarquia envolvida na falcatrua.
A discussão jurídica sobre o quanto os contratos em vigor poderão vir a ser afetados pela lei também aguarda a regulamentação.
A lei brasileira tem multas mais altas que a FCPA americana, mas gradação só poderá vir a ser feita quando o decreto de regulamentação estiver pronto.
Pior do que a multa é a indefinição que cerca o impacto sobre as empresas envolvidas que já enfrentam dificuldades para captar no mercado.
O ministro mais empenhado em sua aprovação, Jorge Hage, vai deixar o governo sem que o decreto que regulamenta a lei esteja publicado. O texto, submetido a consultas dentro e fora do governo, está parado na Casa Civil.
O pacto nacional contra a corrupção proposto ontem pela presidente poderia começar com uma assinatura, mas a regulamentação, submetida à inércia das pressões, só deve sair quando 2015 chegar.
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