- O Estado de S. Paulo
O mundo e o Brasil mudaram com a globalização. Tanto discutimos isso, todavia não prevíamos como as mudanças no mundo iriam influenciar a trajetória da corrupção no Brasil.
Tratados internacionais novas leis domésticas, o panorama mudou.
De duas empresas europeias, Siemens e SBM, vieram dados sobre a corrupção na venda de trens e plataformas marinhas; de uma empresa americana, Dallas Airmotive, dados sobre a corrupção de oficiais da FAB e do governo de Roraima. A Suíça recebeu procuradores brasileiros que rastreiam parte da grana do petrolão. Colabora muito mais do que antes, nos tempos em que se fechava em copas para tranquilizar as grandes fortunas estrangeiras. Nos EUA investigam-se a Petrobrás e a compra de Pasadena, que não passa e não passará incólume às lentes americanas.
O Brasil mudou. Ampliaram-se as ferramentas de investigação, e-mails são recuperados, câmeras estão por toda parte, ampliou-se a troca de informações com o mundo, tudo isso é um sinal de que a corrupção endêmica no País não é eterna, como pensam alguns. O universo petista parece ignorar essas mudanças: embora sempre afirme que as investigações cresceram com o governo, o que cresceu foi a autonomia da Polícia Federal, muitas vezes esquecida.
Lembro-me de uma demonstração de policiais federais em Brasília. Estavam nas ruas porque queriam produzir mais e havia uma queda nas investigações. Isso foi no fim de 2013.
Uma prova de que o PT não compreendeu essas mudanças foi o relatório do deputado Marco Maia afirmando que Pasadena foi um bom negócio.
"Vocês querem bacalhau?", perguntava o Chacrinha. Tome macarrão, responde o governo, instituindo o Dia do Macarrão.
Como é possível afirmar que Pasadena foi um bom negócio? Ainda mais num momento em que a Operação Lavo Jato rastreia propinas recebidas por intermediários brasileiros. Diante dessas evidências, só restaria aos defensores da compra de Pasadena, que nos deu um prejuízo de cerca de US$ 700 milhões, afirmar: foi um negócio tão bom que até nossos corruptos ganharam algum dinheiro.
Não há o que argumentar diante de tanto cinismo. O governo arruinou a Petrobrás, reduzindo em R$ 600 bilhões o seu valor, de 2008 até agora.
Vi pátios de equipamentos ociosos no Sul e leio agora que unidade de nafta, de R$ 32 milhões, será perdida no Rio. É superfaturada e antieconômica.
Quando é que Dilma vai sentar à mesa e dar o balanço desse vendaval? Revelações de uma alta funcionária mostram que o esquema de corrupção era antigo e os diretores foram dele informados. O governo pretende atravessar essa tormenta com o mesmo time que permitiu o processo de saque na Petrobrás. E diante de uma conjuntura internacional com baixos preços do óleo, o que reduz a competitividade do pré-sal.
Apesar da dimensão gigantesca do escândalo na Petrobrás, o que vazou até agora indica irregularidades em vários campos: dos fundos de pensão às hidrelétricas, de aeroportos ao BNDES. O contexto é de crise econômica, mas esses fatores morais não se limitam à política. A própria credibilidade internacional do Brasil está em jogo. O que devem pensar os americanos diante de um deputado que disse que Pasadena foi um bom negócio? O próprio barão belga que nos vendeu a refinaria deve ter reagido com uma gargalhada.
O governo conta historinhas aqui e ignora o mundo. Pena que a oposição também ignore. Numa articulação com parlamentares europeus e americanos poderia saber mais, perguntar mais.
O esquecimento do mundo é daqueles fatores que entristecem no Brasil de hoje. Dilma aniquilou a diplomacia presidencial e parece querer aniquilar a própria diplomacia, subestimando um núcleo de profissionais competentes.
Talvez nosso papel não seja tão importante como se supôs. Entre superestimar o próprio papel e simplesmente sair de cena há uma diferença, que não tem peso eleitoral, mas vai produzir suas consequências.
Não importa que governo e oposição ignorem o mundo. Ele sempre nos vai chegar, sobretudo nesse movimento que força as grandes empresas a se reconciliarem com a lei e a sociedade. Os dados vêm de fora, brotam aqui dentro, nada mais vai deter o processo de transparência que a própria tecnologia potencializa.
O PT e seus aliados deveriam ler Fim de Jogo, de Samuel Beckett, no trecho em que o personagem diz: "Acabou, Clov, acabamos". Não é possível assaltar as estatais para financiar campanhas e enriquecer. Um ramo sofisticado caiu por terra na Petrobrás. Outros cairão.
Não sei o que virá adiante. Suspeito que criem o dia da maionese. Lula elaborou a palavra de ordem ao PT: cabeça erguida. Melhor seria bunda na parede. Não vão soterrar esse turbilhão de dados com historinhas como a de Marco Maia e sua CPI. Se depois de arruinar a Petrobrás o PT escolheu a cabeça erguida, confirma um pouco minhas suspeitas: depois dos punhos erguidos no mensalão, cabeça erguida no petrolão.
Quanta autoestima! Enrolam-se na Bandeira do Brasil, arrasam a maior empresa pública, comprometem a credibilidade internacional e acham que está tudo bem, exceto para uma elite mal-humorada e articulistas de direita.
O governo vive um bloqueio do tamanho do petrolão. Não tem outro caminho futuro exceto explicar suas responsabilidades. Até o momento, está dando velhas respostas para novas perguntas.
Com o braço numa tipoia azul, Marco Maia parecia vir de um combate físico com as próprias evidências da corrupção. Pasadena foi um bom negócio, parecia dizer, sofremos algumas escoriações, mas está tudo bem. Boa imagem de fim de ano para quem acredita em Papai Noel. Ou para quem desconfia que os combatentes estão chegando à exaustão ante os fatos.
P.S.: Este artigo estava pronto quando Marco Maia voltou atrás sobre Pasadena.
* Jornalista
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