• Mudança na LDO que dá aval para déficit recebe críticas do TCU; Aécio ameaça ação na Justiça
Cristiane Jungblut, Martha Beck e Chico de Gois - O Globo
BRASÍLIA e SÃO PAULO - A mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 proposta pelo governo, que o libera, na prática, do cumprimento da meta fiscal neste ano, provocou reações ontem dentro e fora do Congresso. O presidente do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, classificou a proposta de "improvisação". Já o senador Aécio Neves (PSDB-MG) criticou a manobra e disse que a oposição irá estudar medidas judiciais porque, para ele, a presidente Dilma Rousseff incorrerá em crime de responsabilidade, caso o projeto seja aprovado.
Apesar dos acenos de apoio da base aliada, o governo começou a enfrentar dificuldades reais para aprovar o projeto, que permite a dedução de todas as despesas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e desonerações da meta de superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública). A oposição obstruiu as votações, e a sessão do Congresso para votação de vetos presidenciais que trancam a pauta foi cancelada. Além disso, a bancada do PMDB na Câmara pediu mais prazo para apreciar a proposta.
- É uma improvisação que gostaríamos que não acontecesse no país. O Brasil tem que acabar com essa improvisação, com esse jeitinho de acertar as contas. Temos que ter um planejamento mais adequado - disse Augusto Nardes, ao ser perguntado sobre a mudança na LDO, após entregar ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a lista de obras consideradas irregulares pelo TCU, em 2014.
Aécio chama medida de "violência"
Já o senador Aécio Neves (PSDB-MG) voltou a falar em estelionato eleitoral e afirmou que, com a proposta enviada ao Congresso, o governo dá um mau sinal sobre as boas práticas fiscais.
- Alerto ao Congresso que, se aprovada uma medida como essa, o sinal que estamos dando é que não há mais lei a ser cumprida. Basta que, no momento em que uma lei não for cumprida, o governante a altere com sua maioria. Espero que o Congresso se respeite, respeite suas prerrogativas, e impeça essa violência - afirmou. - O governo devia ter a humildade de dizer que falhou, que fracassou.
Ao comentar a medida o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse ontem que a presidente Dilma Roussef "está quebrando" o Brasil.
- A situação do país é difícil, eles não têm como cumprir o superávit fiscal. Eles têm que reconhecer isso. Dilma disse que eu quebrei o Brasil três vezes. Não sei quando, mas agora ela está quebrando - afirmou o ex-presidente, depois de participar de seminário em São Paulo.
Perguntado se o governo estaria tentando burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para fechar as contas do ano, o tucano recorreu a uma metáfora futebolística:
- É um drible que não dá certo, porque simplesmente vai mostrar a incompetência de bem gerir a economia do Brasil. Só é gol contra. Acho que não tem sentido. É uma coisa absurda.
Jucá negocia com oposição
No início da noite, o relator do projeto, senador Romero Jucá (PMDB-RR), começou a negociar uma saída política que viabilize a aprovação da mudança na LDO. Uma das alternativas é aprovar na Comissão Mista de Orçamento (CMO) um calendário especial para agilizar a tramitação. Outra é a aprovação da urgência constitucional, saída cogitada por Jucá para acelerar os prazos de tramitação do projeto. Jucá iniciou uma negociação com setores da oposição para ver se é possível um acordo de procedimentos nesse sentido.
A bancada do PMDB da Câmara surpreendeu até mesmo a cúpula do partido ao pedir mais tempo para discutir as consequências da medida com especialistas. O líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), disse que a bancada mostrou boa vontade com a modificação proposta por Dilma, mas que quer se envolver no debate sobre o mérito da mudança.
- Não existe racha na bancada. O que existe é que a gente toma posições pelo convencimento - disse Cunha.
Após propor ao Congresso a mudança na LDO que libera o governo do cumprimento da meta de superávit em 2014, a equipe econômica trabalha agora no documento que vai indicar o tamanho do estrago nas contas públicas deste ano. É no relatório de receitas e despesas do quinto bimestre, que será publicado até o dia 22 de novembro, que o governo precisa mostrar o verdadeiro resultado fiscal com o qual trabalha.
O governo quer autorização para abater todas as despesas com o PAC e com desonerações da meta de superávit primário fixada na lei em R$ 116,1 bilhões. Como esses gastos somam hoje quase R$ 140 bilhões, a mudança permitirá até que o resultado do ano seja um déficit, sem descumprimento da LRF.
No entanto, a equipe econômica está dividida em relação à projeção que será colocada no relatório. Uma parte dos técnicos defende um número realista, mesmo que seja déficit. No entanto, outros afirmam que o número deve ser um superávit, o que é pouco crível considerando o quadro das contas em 2014. Até setembro, o setor público consolidado registra um déficit primário de R$ 15,3 bilhões.
Dilma: "situação diferenciada"
O fechamento do ano depende dos três últimos meses, sendo que novembro costuma ter déficit nas contas enquanto dezembro é de pequeno superávit. Para que o saldo do ano seja positivo, é preciso que o último trimestre registre um superávit suficiente para compensar todo o número negativo do ano, mais o de novembro.
Em Doha, no Qatar - em uma escala na viagem para a Austrália, onde participará da cúpula do G-20 (grupo que reúne as principais economias do mundo) -, a presidente comentou ontem a proposta de mudança da LDO. Ela argumentou que o mundo todo tem reduzido seu esforço fiscal e que o Brasil ainda é um dos países em melhor situação:
- Dos 20 países do G-20, 17 hoje estão numa situação de déficit fiscal. Nós estamos ali no zero. Nós não temos nem déficit, nem superávit. Nós estamos até numa situação um pouco melhor. Nós temos uma das menores dívidas líquidas, de 35% do PIB. Nos países do G-20, média, está acima de 60%. A nossa situação, se você olhar os fundamentos, ela é bastante diferenciada.
Também ontem, a Comissão Mista de Orçamento aprovou o parecer preliminar sobre a LDO de 2015, mantendo os indicadores econômicos fixados pela equipe econômica na proposta original para o ano que vem, bem mais otimistas do que as previsões de mercado. O parecer preliminar foi aprovado com quase seis meses de atraso, já que foi apresentado por Vital dia 22 de maio. O parecer final será apresentado apenas no dia 26.
O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse que o governo fez um grande esforço fiscal e que o desempenho fiscal do país é "exemplar". Sobre o envio da proposta do governo, Mercadante disse que o Congresso terá duas opções: fazer o superávit ou manter os investimentos e desonerações.
- O governo fez uma opção: não fazer o ajuste ortodoxo. Este ano precisamos ajudar a amenizar o impacto da crise. O governo fará o maior superávit primário possível. Nessa conjuntura específica tivemos que desonerar a indústria e a produção e acelerar os investimentos para fazer frente a um cenário recessivo - disse, para depois completar:
- O governo sempre cumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal. O que nós estamos discutindo é a melhor forma de administrarmos as finanças do país. A melhor forma é fazermos um superávit primário que não sacrifique as desonerações, não sacrifique os empregos e os investimentos.
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