• Amigos do intelectual lembram sua generosidade e profundo respeito às diferenças
- O Globo
Filósofo e militante de esquerda, Leandro Konder sempre defendeu firmemente suas convicções. A luta pelos ideais, porém, foi cotidianamente acompanhada pelo respeito ao outro, pela gentileza e pela generosidade, características que marcaram seu pensamento até o fim da sua vida. Conhecido por evitar o tom professoral, Konder, lembrado como um suave contestador e dono de imenso rigor filosófico, foi um dos principais divulgadores da obra de George Lukács e Karl Marx no Brasil, sabendo interpretar o comunismo dentro do contexto do país.
O intelectual nasceu em Petrópolis, em 1936. Com intensa produção como conferencista, articulista de jornais, ensaísta e ficcionista, foi autor de livros como "Walter Benjamin - O marxismo da melancolia", "O futuro da filosofia da práxis" e "O que é dialética", sua obra mais popular. Formado em Direito, ele coordenava, em conjunto com o pensador marxista Michael Lowy, a coleção Marxismo e Literatura, da Boitempo editorial. Em 1972, exilou-se na Alemanha, depois de ser preso e torturado pela ditadura militar. Regressou ao Brasil em 1978 e doutorou-se em filosofia em 1987 no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.
- Nós perdemos o maior humanista e filósofo que o Brasil tinha - diz o jornalista e ex-deputado federal Milton Temer, amigo de Konder. - Um homem convicto de sua ideologia, que ao mesmo tempo conseguia conviver com os outros, sendo muito ouvido pelo outro lado. Foi símbolo de uma sociedade civilizada, cordata e justa.
A primeira influência do filósofo foi seu pai, Valério Konder, renomado médico sanitarista e intelectual comunista. A casa era frequentada por amigos preocupados em combater desigualdades sociais, e que viviam sendo presos por suas ideias. Assim, Konder aproximou-se do marxismo. Mais tarde, veio outra grande influência: ao ler o húngaro Lukács, aprendeu a amar os clássicos e resolveu abandonar o marxismo sectarista. Além de ensaios, Konder também publicou dois romances: "A morte de Rimbaud" e "Bartolomeu".
- Ele era um intelectual que vivia pela literatura e pela filosofia. Um marxista dos menos dogmáticos, conhecido por seu carisma e generosidade - lembra o filósofo e ensaísta Sergio Paulo Rouanet, que lamentou profundamente a morte do amigo, principalmente no momento em que o pensamento brasileiro se mostra "tão pobre e tão ralo em geral".
Rouanet contou que esteve num jantar com Konder há um ano e que, apesar de debilitado pelo Mal de Parkinson, doença da qual sofria há muitos anos, o filósofo mostrava o mesmo interesse pela política.
- A política passava sempre por Lukács. Nossa geração acreditava na perenidade de certas coisas: a luta de classes, a História e o sol de Ipanema.
O fascínio por Lukács o aproximou do filósofo Carlos Nelson Coutinho. Morto em 2012, o baiano foi um de seus grandes amigos e parceiros de estudos. Foram parceiros de jornadas intelectuais por 40 anos.
Para Zuenir Ventura, escritor, membro da ABL e colunista do GLOBO, a esquerda brasileira perde "uma das mais generosas e lúcidas cabeças":
-Ele nunca hierarquizou as pessoas pela ideologia, botava sempre o afeto acima de todas as coisas.
Democrata visceral
Konder integrava um grupo formado há 15 anos por intelectuais, os Comuníadas (nome formado pela mistura de comunistas com "Os Lusíadas", de Camões), que se reunia uma vez por mês para celebrar a literatura e a arte. O cineasta Zelito Viana, um dos integrantes do grupo - que reúne ainda nomes como Ferreira Gullar, Sérgio Cabral, Milton Temer, Walter Carvalho e Roberto Freire - lembra que o último encontro aconteceu há um mês, com a participação de Konder.
- Ele aceitava as diferenças. Era um democrata visceral, apesar de ser ao mesmo tempo uma pessoa radical, que saiu do PT, fundou o PSOL. Ele tinha uma posição bem nítida de esquerda, era firme, porém aceitava o diálogo, era um democrata, entendia a posição dos outros. Uma pessoa rara.
Leandro Konder morreu ontem, aos 78 anos, em sua casa, em decorrências de complicações do Parkinson. O velório acontecerá hoje, às 15h, no Memorial do Carmo, em São Cristóvão, e seu corpo será cremado na sexta-feira. Ele deixa a viúva, Cristina, o filho Carlos Nelson e a enteada Marcela. Embora fosse comunista, o filósofo pediu para que se realizasse uma missa de Sétimo Dia na PUC-Rio, da qual era professor do Departamento de Educação.
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