Da pedalada à tesourada
• Governo fará corte preventivo no orçamento e elevará impostos de aplicações de curto prazo
Martha Beck, Catarina Alencastro – O Globo
BRASÍLIA - Antes mesmo de o Orçamento de 2015 ser aprovado pelo Congresso, a equipe econômica prepara um contingenciamento relevante nas despesas discricionárias - aquelas não obrigatórias, como viagens, diárias de hotéis, compras e outros serviços -, que pode ser anunciado ainda hoje. A ideia é mostrar ao mercado que a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) fixada para este ano, de R$ 66,3 bilhões, ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), é viável. O corte não será linear e vai variar por ministério.
Segundo fontes do governo, cada pasta terá um limite máximo para gastar, de acordo com sua natureza. Os detalhes estarão num decreto que será publicado no Diário Oficial da União. O corte de despesas é o principal instrumento para o equilíbrio das contas públicas, em um ano que deve ser marcado mais pelas tesouradas do que pelas pedaladas fiscais de 2014 (atrasos de repasses e pagamentos). Mas a equipe econômica também trabalha com ajustes tributários, como sinalizou o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em sua posse.
O objetivo é direcionar mais recursos para o investimento de longo prazo no país. Segundo técnicos da equipe econômica, uma ideia é mexer em alíquotas de impostos e contribuições que incidem sobre aplicações no mercado financeiro, de forma que seja mais interessante para o investidor deixar seu dinheiro aplicado por mais tempo. O princípio é que o curto prazo seja mais onerado, para incentivar a formação de poupança doméstica, uma das prioridades da nova equipe econômica.
- Foi esse o sinal que o ministro quis dar quando afirmou em seu discurso que "possíveis ajustes em alguns tributos serão considerados, especialmente aqueles que tendam a aumentar a poupança doméstica". Trata-se de uma política para um período mais longo - disse um técnico do governo.
Como o orçamento de 2015 ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional, o governo só pode gastar por mês até 1/12 do orçamento do ano passado. Mas, segundo fontes, a equipe vai informar que o gasto mensal autorizado será bem inferior a esse teto. Os cortes foram discutidos na segunda-feira em reunião da Junta Orçamentária (composta pelos ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Casa Civil). A presidente Dilma Rousseff estava em Aratu (Bahia), mas foi informada das discussões por telefone. Havia uma expectativa de que os cortes fossem anunciados ontem, mas o Ministério do Planejamento informou de noite que não haveria anúncio.
- O número vai ser forte o suficiente para indicar que o governo vai cumprir a meta de superávit primário de 2015 - disse um técnico.
Na reunião, os três ministros também decidiram criar um comitê para gerenciar os gastos públicos. Esse novo órgão vai ser formado pelos ministérios que já compõem a Junta Orçamentária, e também pela Controladoria Geral da União (CGU), órgão do Executivo responsável pelo acompanhamento das contas públicas.
No campo tributário, os técnicos afirmam que o governo também pretende passar um pente fino nos chamados regimes especiais de tributação que hoje valem para diversos setores da economia, como infraestrutura, tecnologia, exploração de petróleo e exportação. Esses regimes preveem reduções ou mesmo isenção de alíquotas para a aquisição de máquinas e equipamentos destinados a investimentos nesses setores. Neste caso, a ideia é avaliar o que tem efetividade e o que precisa ser ajustado de acordo com a necessidade de cada segmento.
Foi isso o que o ministro quis sinalizar ao dizer que as medidas "procurarão eliminar exceções e reduzir tratamentos idiossincráticos, sem deixar de prestar atenção às particularidades setoriais e individuais".
Segundo os técnicos, a maior preocupação de Levy em termos tributários é corrigir distorções que prejudiquem o crescimento ao longo dos próximos anos, e não aumentar alíquotas para garantir o ajuste fiscal de 2015. A preferência do ministro para reequilibrar as contas públicas imediatamente é pelo corte de despesas:
- Aumentar as receitas no curto prazo pode ser feito com aumento das alíquotas de tributos regulatórios como o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), Cide e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Isso seria muito mais fácil, mas essa não é a preferência do ministro - disse um intelocutor do Palácio do Planalto, lembrando, contudo, que isso não quer dizer que eventuais aumentos nesses tributos estejam descartados.
Na segunda-feira, o governo federal editou a medida provisória (MP) 667, para assegurar um crédito extraordinário de R$ 74 bilhões para investimentos. Esse total corresponde a um terço do previsto no Projeto da Lei Orçamentária de 2015, para investimentos dos três Poderes e das empresas estatais. Segundo o Ministério do Planejamento, foi necessário editar a MP porque a lei ainda não foi aprovada no Congresso. A não aprovação inviabiliza a execução dos gastos de investimentos. De acordo com o órgão, medidas como esta já foram tomadas anteriormente, como em 2006 e 2013.
"O crédito previsto na MP viabilizará a execução de investimentos e inversões financeiras no exercício de 2015, com destaque para grandes obras de infraestrutura já em andamento ou a serem implementadas pelo governo federal, de forma a evitar atrasos em seus cronogramas de execução que, de outro modo, resultariam em prejuízos financeiros e postergação de benefícios previstos à população de diversas localidades do país", informou a pasta.
No que diz respeito às estatais, o Planejamento esclareceu que o valor liberado visa a permitir a continuidade dos projetos de investimento em diversas áreas, tais como, energia e petróleo e gás: "Frente ao cenário de maior incerteza econômica, a liberação dos novos investimentos ocorrerá de forma a potencializar a retomada do crescimento econômico sem afetar a consolidação fiscal que está em curso".
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