• Paulo Brossard deixa o exemplo do político íntegro, do cidadão exemplar. Perde o Rio Grande, perde o Brasil e perdemos nós
Desaparece a mais brilhante e preparada legenda dos homens públicos rio-grandenses que sucedeu à geração gaúcha de 1930, que trouxe Getúlio Vargas ao poder.
Não era um gaúcho dos gestos largos, da retórica dos guerreiros da fronteira, das vestes pampeiras da bombacha e do chimarrão. Mais para um lorde inglês a falar no Parlamento ou um professor da Sorbonne falando do positivismo. A linguagem de Paulo Brossard era erudita, pausada, elegante. Em vez do chapéu pampeiro e o lenço no pescoço, era um chapéu de feltro e uma gravata larga, num nó grande tipo plastrão. Elegante e muito influenciado por Raul Pilla, que também foi meu colega no Palácio Tiradentes.
Paulo Brossard teve oportunidade de servir ao Brasil nos três Poderes da República: Executivo, Judiciário e Legislativo. Foi, quando eu presidente, procurador-geral da República, ministro da Justiça e ministro do Supremo Tribunal Federal. Neles deixou a marca do jurista de grande conhecimento, guardada na jurisprudência do STF e no Ministério da Justiça, o notável político que foi a ponte a tecer as soluções controversas. Mas foi no Congresso que deixou sua marca do grande parlamentar, do grande orador a figurar entre os maiores, ao lado de Joaquim Nabuco, Gaspar Silveira Martins, Ruy Barbosa, Visconde do Rio Branco, Carlos Lacerda, Afonso Arinos. Sua causa, a redemocratização. Era duro sem ser descortês, temerário às vezes, mas ouvi-lo era ouvir um Wagner adocicado em seus momentos altos de Tristão e Isolda.
Começou como deputado estadual, discípulo de Pila, combatendo Henrique Lott na "novembrada", como chamou o 11 de novembro de 1955. Foi um liberal que ninguém conseguiu aprisionar. Nem na disciplina partidária nem na negação dos seus princípios. Apoiou a saída de Jango, engajado na luta do Rio Grande contra o PTB, Getúlio, Brizola e o populismo.
Mas logo que o golpe de 1964 descamba contra o direito, ei-lo rompendo e se filiando às hostes da oposição. Pela sua bravura foi afastado de sua cátedra na universidade.
No Congresso, foi uma das maiores e mais permanentes vozes contra os governos militares.
É ele o grito que é ouvido, o líder que é seguido e o soldado que fica na linha de tiro.
Foi um dos maiores amigos que tive na vida. Sempre estávamos juntos, pessoalmente, por telefone ou por pensamento. Não cumpri a última promessa que fiz há dez dias: visitá-lo em Porto Alegre.
Não resisto a transcrever as palavras que proferi no Senado quando ele saía do Congresso: "Passada a tempestade, quantas vezes nos sentávamos neste plenário, Brossard largava a adaga e a baladeira, sentava-se junto à fogueira da convivência, pegava a chávena e a cuia do chimarrão da conversa amiga e começávamos grandes e inesquecíveis colóquios literários. Grande cultura, grande inteligência. Íamos e vínhamos na lembrança de livros e autores. Mas sempre aportávamos na história parlamentar, na evocação das grandes figuras e dos grandes momentos do parlamento".
Brossard deixa o exemplo do político integro, do cidadão exemplar, do grande patriota.
Perde o Rio Grande, perde o Brasil, perdemos nós.
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José Sarney, 84, membro da Academia Brasileira de Letras, foi presidente da República (1985-1990)
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