Câmara cria alternativa ao fator previdenciário
• Alteração do fator previdenciário é derrota para o governo no dia da aprovação de outra MP do ajuste
Júnia Gama, Isabel Braga e Eliane Oliveira – O Globo
BRASÍLIA - Mesmo depois de intensa negociação com promessas de liberação de mais de uma centena de cargos para deputados da base aliada, o governo sofreu ontem a derrota que mais temia na votação do ajuste fiscal. A Câmara aprovou, por 232 a 210, novas regras que acabam com a aplicação automática do fator previdenciário, proposta por um partido da base, o PTB, para alterar o texto principal da medida enviada pelo Palácio do Planalto que era o segundo pilar do ajuste fiscal. O fator previdenciário foi criado em 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Entre 2000 e 2013, a economia estimada pela Previdência com a aplicação do fator previdenciário teria sido de R$ 56,9 bilhões.
O ministro da Previdência, Carlos Gabas, acompanhou a votação no gabinete da liderança do governo, longe dos holofotes. Diversas vezes nos últimos dias, Gabas esteve com deputados de partidos aliados ao governo para pedir que rejeitassem o destaque, alegando que a presidente Dilma Rousseff irá criar um fórum específico para tratar possíveis alterações nas regras previdenciárias, que serão enviadas ao Congresso em até 180 dias.
Mas o apelo de Gabas não funcionou. Ministros da área econômica afirmaram ao GLOBO que defenderão veto à mudança e que irão mapear os infiéis da base que ajudaram a aprovar o destaque. A promessa é que haverá retaliações.
- A presidente Dilma pode até vetar, mas terá que pensar 10 vezes antes, porque seria um desgaste monumental para ela. No Senado, já temos quase todos os votos necessários para manter esse destaque - comemorou o autor da medida, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP).
A votação da mudança no fator previdenciário começou logo após o governo ter aprovado o texto principal da Medida Provisória (MP) 664, que torna mais rígida a concessão de pensão por morte e auxílio-doença. Em seguida, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pautou a votação do destaque, sob protestos do líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), e do líder do PT, Sibá Machado (PT-AC).
Durante todo o dia, o vice-presidente Michel Temer, que é o articulador político do governo, trabalhou junto aos deputados da base para evitar a votação. Temer ainda teria conseguido reverter cerca de 10 votos, mas o governo acabou perdendo em apertada votação. O Planalto pressionou para que o pedido de votação sequer fosse aceito, mas Cunha decidiu acatar a proposta do autor da mudança, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que previa o fim dos descontos na aposentadoria para aqueles cuja soma da contribuição com a idade seja 85 anos, no caso das mulheres; e 95 anos, dos homens.
Hoje, a Câmara irá finalizar a votação dos destaques. Depois, o texto vai à apreciação do Senado. A votação do texto principal da MP 664, na qual o governo havia obtido uma vitória mais ampla que a da semana passada, aconteceu em meio a muito tumulto, empurra-empurra entre deputados e manifestação contrária nas galerias ocupadas por militantes da Força Sindical. Dos partidos da base aliada, apenas o PDT acompanhou as legendas da oposição e orientou o voto contra o texto principal da MP. O líder da bancada, André Figueiredo (CE), voltou a criticar a MP em plenário. O PV liberou sua bancada.
Desta vez, apenas quatro deputados do DEM mantiveram o voto a favor do texto-base da MP do ajuste, mas cinco se ausentaram. Na semana passada, foram oito votos favoráveis, mas os 22 deputados da bancada estavam presentes. Entre os cinco ausentes, estão os quatro deputados que votaram a favor da primeira MP. Mantiveram o voto a favor do ajuste os deputados Rodrigo Maia (RJ), José Carlos Aleluia (BA), Cláudio Cajado (BA) e Marcelo Aguiar (SP). O partido, no entanto, deverá fechar questão contra o projeto que acaba com a desoneração da folha de pagamento de vários setores produtivos, que também faz parte do pacote de ajuste fiscal.
O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE) disse que o governo tem mais motivos para comemorar do que lamentar. Segundo ele, a aprovação do texto principal foi uma grande vitória. Ele chamou de equívoco o procedimento do relator da MP 664 na comissão mista do Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-PT), que votou a favor do destaque apresentado por Faria de Sá.
- O grande equívoco foi o relator ter votado. Eu sei disso - disse Guimarães.
Ele lembrou que a matéria ainda irá para o Senado, voltará para a Câmara e ainda há a prerrogativa de a presidente da República vetar a alteração no fator previdenciário. O parlamentar defendeu o fórum criado recentemente pelo governo, composto por representantes das centrais sindicais e dos empresários, para discutir o destino do fator previdenciário. Até porque, argumentou, para acabar com o dispositivo não pode ser usada lei ordinária, e sim Proposta de Emenda Complementar (PEC).
- Isso faz parte do jogo democrático aqui dentro. Não podemos, por uma questão específica dessa, desmerecer a grande vitória que foi o texto principal da MP - ressaltou Guimarães.
Antes do anúncio do resultado, deputados da oposição voltaram a abrir, em plenário, uma faixa com dizeres que acusavam o PT de trair os trabalhadores. O deputado Zé Geraldo (PT-PA) tentou tirar a faixa e houve empurra-empurra entre os deputados, logo contido pelos seguranças.
Nas galerias, os militantes da Força Sindical cantaram a música "Vou Festejar", modificando o refrão para "O PT pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão". Logo depois que Eduardo Cunha anunciou o resultado, houve vaias e alguns manifestantes chegaram a arriar as calças, mostrando o traseiro ao plenário. Cunha acabou retirando os manifestantes das galerias.
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