- O Globo
Em meio à crise política que envolve o governo petista, coube a Marco Aurélio Garcia, assessor especial do Palácio do Planalto, fazer a mais realista análise sobre o momento político negativo por que passa o Partido dos Trabalhadores, que ajudou a fundar há 35 anos.
Especialista em política externa, mas um dos mais importantes pensadores do PT, Garcia fez um duro alerta, sábado, durante o congresso estadual do partido, em São Paulo.
"As classes dominantes estão em clara ruptura conosco, e, se não tomarmos cuidado, parte da nossa base social histórica também estará", afirmou, talvez para espanto dos poucos militantes presentes.
O próprio Marco Aurélio registrou com crueza: "Como fundador e alguém que militou 35 anos no partido, nunca vi uma reunião do PT tão vazia como esta, quando no passado se disputava um crachá. Isso é um sintoma grave de uma crise que nos atinge de forma objetiva e subjetiva".
O problema é que, se o diagnóstico está correto, a receita de Garcia para superar a crise está completamente equivocada, e serve só para aprofundá-la. Ele defendeu o retorno urgente do PT a seus "compromissos históricos" depois de superada a fase de ajuste fiscal.
"Temos que propor, no imediato, que essas correções que estão sendo feitas do ponto de vista fiscal possam efetivamente permitir que, daqui a uns poucos meses, nós estejamos com esse problema resolvido e que possamos, então, aplicar políticas que são aquelas que vão garantir ao segundo governo Dilma uma qualidade, uma força, uma transformação importante", complementou.
Esqueçamos o fato de que, na sua análise, não existe uma só palavra sobre a crise moral que tomou conta do partido desde que o mensalão veio à tona, revelando uma manipulação política que distorce a democracia representativa.
Só que, mesmo que o ajuste fiscal acabe prevalecendo no Congresso, demorará muito tempo para que a economia volte a crescer. Ainda mais se as restrições, que cada vez mais aparecem de setores petistas, limitarem seus efeitos nos próximos dois anos, que já estão prejudicados em termos de crescimento econômico.
Este ano teremos crescimento negativo que pode chegar a - 2%, e para 2016 o prognóstico, por melhor que seja, é de crescimento do PIB por volta de 1%. A média de crescimento do 1º governo Dilma, de 2011 a 2014, foi de 2,2% ao ano, e a perspectiva dos dois primeiros anos do novo mandato piora o que já era ruim.
Não há como um país que cresce a uma média dessas poder sustentar os programas sociais e ainda os investimentos necessários para um crescimento sustentável.
Portanto, dificilmente o PT chegará em 2018 em condições de competitividade eleitoral, como já admitiu o próprio Lula, que não vê chances de concorrer à Presidência se o governo Dilma não se recuperar.
Também o senador Lindbergh Farias, que vocaliza a área descontente do PT, diz em claro e bom som que o programa de ajustes de Joaquim Levy tira as condições de o PT lançar Lula em 2018. Só que nem Lindbergh nem Marco Aurélio Garcia apresentam alternativa viável ao programa de ajustes.
Garcia chega perto ao afirmar que a conjuntura atual não permite a repetição da bonança dos anos Lula. "Tenho absoluta convicção de que encerramos um ciclo importante da nossa História", disse.
"Nós vivíamos um momento de ganha-ganha. Todos podiam ganhar, os trabalhadores, os pobres, as classes médias, até os industriais e banqueiros. Havia um reordenamento da economia brasileira que permitia que todos ganhassem. Acabou. Não há mais essa possibilidade", afirmou.
O problema do PT é que essa conclusão leva ao caminho errado para recuperar a credibilidade. Em vez de reformas estruturais necessárias para garantir um crescimento sustentável a longo prazo - vistas como neoliberais -, a receita é insistir em mais do mesmo. Garcia admite que "os militantes não se sentem mais representados pelo PT. Isso significa que perdemos a batalha política. Isso é, sim, responsabilidade do governo, mas é muito mais uma responsabilidade do nosso partido".
A solução apontada pelo grupo dissidente, incentivado por baixo dos panos por Lula, no entanto, é abrir mão do ajuste fiscal e voltar à política desenvolvimentista, para aquietar "a base social histórica" do petismo. Deu no que deu no primeiro governo.
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