Premido pelo tempo, uma vez que as medidas provisórias (MPs) do ajuste fiscal caducarão se não forem aprovadas pelo Congresso até o fim desta semana, o governo se defronta com um impasse que se agrava porque seu próprio partido, o PT, se opõe com crescente contundência às medidas impopulares indispensáveis ao saneamento das contas públicas. Enquanto isso, o vice-presidente Michel Temer, responsável pela articulação política do Planalto, cobra da presidente Dilma Rousseff o apoio formal e sem restrições dos petistas, como precondição óbvia para que possa persuadir os demais partidos da base aliada a votar a favor das medidas propostas pela equipe econômica.
Na última sexta-feira, mesmo dia em que o ministro da Fazenda sinalizou sua insatisfação com as dificuldades que enfrenta se ausentando do ato oficial de anúncio do contingenciamento orçamentário, a direção estadual do PT em São Paulo divulgou manifesto em que explicita pela primeira vez em documento oficial do partido suas objeções às medidas do plano de ajuste fiscal que impõem restrições a benefícios sociais.
O documento, aprovado na etapa paulista de preparação do V Congresso Nacional do PT que se reunirá em junho, é taxativo: “Entendemos as razões do governo, mas o governo tem que entender as razões do PT”. E que razões são essas? Coerente com sua própria práxis, os petistas querem deixar nas costas do governo o ônus das medidas impopulares necessárias à correção de seus próprios erros na gestão econômico-financeira do País e reservar-se o direito ao bônus de manter o discurso populista de defesa incondicional dos benefícios sociais. O texto do manifesto é cinicamente claro: “É imprescindível compreender que nossa energia criadora e nossa capacidade de atrair a juventude se sustentam na utopia e no futuro e não deve se limitar, como o governo tem que fazer, aos limites do que o Orçamento impõe”. Em português claro: “O orçamento? Ora, o orçamento. Fique o governo com as vaias do mundo real que nós ficamos com os aplausos – e os votos – para o discurso da utopia”.
Essa contradição é absurda para um partido responsável pela eleição da chefe do governo e agora coloca o País à beira de uma crise econômica de dimensão imprevisível. Não se trata de optar, na atual emergência, por um discurso mais ou menos agradável a este ou aquele segmento social ou grupo de interesses. Trata-se de criar condições – infelizmente com a necessária adoção do remédio amargo de medidas impopulares que resultarão em sacrifícios de toda a sociedade – para a retomada do crescimento indispensável à garantia de conquistas sociais pretéritas e futuras.
O agravamento do descontrole fiscal que inevitavelmente ocorrerá se não se fizerem correções urgentes na política fiscal para conter a gastança irresponsável provocará, também de modo inevitável, o rebaixamento da nota de crédito do Brasil no mercado globalizado e a consequente redução dos financiamentos e dos investimentos estrangeiros no País.
É claro que ajuste fiscal se promove basicamente com corte de gastos e aumento de receitas. Mas, para preservar o sentido de justiça social que deve estar presente nas políticas públicas de uma sociedade democrática, a definição do amplo elenco de medidas necessárias a esse ajuste deve incluir providências para distribuir de maneira tão equitativa quanto possível, por todos os segmentos sociais, o ônus de um sacrifício que por definição é provisório. Dessa perspectiva, são lamentáveis as críticas movidas pela demagogia política, que se concentram exclusivamente nas medidas que atingem os benefícios trabalhistas dos assalariados, num contexto em que a natureza necessariamente restritiva do ajuste afeta, sem exceção e guardadas as devidas proporções, todos os segmentos sociais.
Por outro lado, tudo leva a crer que, apesar de participar de reuniões com a presidente da República e seus ministros para “ajudar” na aprovação do ajuste fiscal, o ex-presidente Lula presta ao Brasil o desserviço de fazer jogo duplo, na tentativa de salvar a própria pele. Há quem lhe atribua ter estimulado o senador petista Lindbergh Farias (RJ), na semana passada, a subscrever um manifesto de intelectuais de esquerda contra o ajuste fiscal e apresentá-lo em plenário com pedido de afastamento de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda.
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