- O Estado de S. Paulo
• O povo grego está sendo levado agora a rejeitar o que Tsipras acaba de declarar aceitável
Os gregos foram os primeiros entusiastas da lógica. Desde Sócrates (século 5.º antes de Cristo), que inventou a maiêutica - um método para desvendar a verdade, quase sempre oculta -, e Aristóteles (século 4.º), que escreveu o primeiro tratado de Lógica. Sem levar em conta herança tão preciosa, o governo do primeiro-ministro Alexis Tsipras parece desafiar perigosamente esses princípios.
Depois de ter optado terça-feira pelo calote ou, se não isso, pelo atraso deliberado do pagamento de uma dívida de 1,6 bilhão de euros com o Fundo Monetário Internacional (FMI), Tsipras mandou nesta quarta-feira uma carta às instituições europeias em que declara aceitar, com exceções insignificantes, as condições do programa de renegociação que recusou nos dias anteriores. Ao mesmo tempo, passou a fazer campanha feroz pela rejeição, no plebiscito agendado para o dia 5, dos mesmos termos da renegociação com os credores que agora garante aceitar.
Já fica difícil de entender como o que não servia antes passou a servir depois. O povo grego está sendo levado agora a rejeitar o que Tsipras acaba de declarar aceitável. Além disso, os credores já disseram que, a partir do momento em que a Grécia deixou de pagar o FMI, a proposta está extinta. Se for para recomeçar as negociações, será preciso começar do zero. Ou seja, os termos do plebiscito sobre os quais a população tem de se pronunciar falam de uma proposta que não existe mais.
E não é só isso. Se Tsipras se propõe a retomar as negociações, portanto, a alterar o programa anterior dos credores, não fica nem um pouco claro o que o povo grego terá de aceitar ou rejeitar no plebiscito.
Não há mais dúvida de que a população não quer abandonar o euro, mas também não quer pagar o preço da permanência. É como pretender jogar futebol podendo mexer, de acordo com as conveniências, no tamanho das traves e nas regras que proíbem o uso de mãos e braços para conduzir a bola. Essa confusão é tão grande que, a todo momento, autoridades do governo da Grécia são obrigadas a lembrar a população de que a consulta no referendo não tem a ver com a saída ou a permanência na área do euro, mas apenas sobre a aceitação ou rejeição do programa imposto nas negociações.
O primeiro-ministro grego parece ter cometido outro erro: o de ter convocado o plebiscito e, ao mesmo tempo, ter fechado os bancos para movimentações financeiras. O brasileiro já passou por isso no Plano Collor (1990), quando depósitos e aplicações financeiras foram bloqueados nos bancos, exigência que paralisou o sistema de pagamentos e provocou situações dramáticas em pessoas comuns, famílias e empresas que não puderam mais nem receber nem pagar suas contas. A Argentina enfrentou situação parecida em 2001, quando foi decretado o corralito, conjunto de regras que impediram a livre movimentação de depósitos bancários e aplicações financeiras.
Não poderia haver campanha mais eficiente contra a posição do governo da Grécia no plebiscito (pela rejeição das exigências dos credores) do que bloquear o acesso dos cidadãos comuns à rede bancária, situação que lhes dá uma ideia do que pode acontecer se tiverem de abandonar o euro.
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