Leticia Fernandes – O Globo
• Presidente assinou decretos que validaram o instrumento judicial
Ao responder uma pergunta sobre a Operação Lava-Jato, seis dias antes de ser reeleita, a presidente Dilma Rousseff disse à revista "Carta Capital": "Para obter as provas, a Justiça e o Ministério Público valeram-se da delação premiada, um método legítimo, previsto em lei. E muito útil para desmontar esquemas de corrupção. Na Itália, contra a máfia, funcionou muito bem". A declaração, em outubro do ano passado, contrasta com o juízo feito por Dilma na última segunda-feira, em viagem aos Estados Unidos, para comentar a delação premiada de Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC.
O empresário disse que doou para a campanha de Dilma para manter contratos na Petrobras. Dilma reagiu dizendo que "não respeita delator", fez analogias entre o esquema de corrupção na Petrobras e a Inconfidência Mineira e ainda comparou o instrumento da colaboração premiada às delações obtidas sob tortura na ditadura:
- Em Minas (Gerais), na escola, quando você aprende sobre a Inconfidência Mineira, tem um personagem que a gente não gosta porque as professoras nos ensinam a não gostar dele. Ele se chama Joaquim Silvério dos Reis, o delator. Eu não respeito delator. Até porque eu estive presa na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar em uma delatora; a ditadura fazia isso com as pessoas presas. E eu garanto para vocês que eu resisti bravamente, até em alguns momentos fui mal interpretada, quando eu disse que, em tortura, a gente tem de resistir, porque senão você entrega seus presos. Então, não respeito nenhum - afirmou, na saída de um seminário em Nova York.
Se no ano passado Dilma defendia o instrumento que hoje ataca, foi durante o seu primeiro mandato, em 2013, que a colaboração premiada foi institucionalizada no país. No dia 2 de agosto, um dias depois de ter aprovado a Lei Anticorrupção - que criou os acordos de leniência, uma espécie de delação para empresas -, Dilma sancionou, sem vetos, a Lei de Organizações Criminosas. Foi a primeira vez que o termo "colaboração premiada" apareceu, por escrito, na legislação brasileira. Em março deste ano, a presidente lançou em cerimônia o Pacote Anticorrupção.
Nessa lei, há uma seção que detalha os direitos e deveres do colaborador e define que o juiz responsável pode, em caso de contribuição efetiva e voluntária do réu, reduzir a pena privativa de liberdade do acusado em até dois terços ou mesmo conceder o perdão judicial. A concessão do benefício, no entanto, deve levar em conta características como "a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração".
A primeira lei brasileira a prever redução de pena com colaboração foi a de crimes hediondos, de 1990. Cinco anos depois, foi incluída nas leis de crimes contra a ordem tributária e o sistema financeiro nacional. A lei sobre lavagem de dinheiro e ocultação de bens, de 1998, foi a primeira a detalhar os benefícios dos colaboradores e a conduta do juiz: além da redução de pena do autor ou coautor do crime, o colaborador passou a poder cumprir pena em regime aberto ou semiaberto. Em 2006, também foi incluída na lei sobre tráfico de drogas a possibilidade de colaboração com redução de pena.
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