- Valor Econômico
• A rota de um para retomar a âncora que está com o outro
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, cumpriram agendas de viagem complementares esta semana. Lula foi a Brasília dar um freio de arrumação na ação política e Levy mostrou os resultados do seu pragmatismo na atuação externa do governo. Ambos se mostraram úteis à presidente Dilma Rousseff. Só deixarão de sê-lo quando as agendas não mais se complementarem.
Lula retoma a ofensiva sobre a articulação política do governo num momento em que parecia emparedado pela prisão do empreiteiro do qual havia se tornado embaixador. Naquele momento, a presidente ainda se queixava que sua impopularidade decorria, em grande parte, do enredamento do PT na corrupção.
De posse dos números de pesquisa Vox Populi, que lhe dava aprovação de apenas 7%, pior do que aquela divulgada ontem pelo Ibope, o ex-presidente já tentara convencer a sucessora, com as mesmas expressões que depois vazariam em encontro com a batina, de que o fosso da impopularidade era mais embaixo. Naquela pesquisa, a corrupção vinha em quarto lugar. Precediam-na a convicção dos eleitores de que Dilma não cumpriu o que prometera, o medo do desemprego e o jurão.
A decisão do ex-presidente de desembarcar em Brasília no momento em que a Lava-jato se acerca do coração da Casa Civil da Presidência não significa que Lula prepare um bote sobre o conjunto da obra da política econômica. Ao sugerir que o pau de todo o santuário do Planalto é oco, a operação apenas deu a Lula a oportunidade de recobrar a iniciativa. É uma maneira de relembrar aos circunstantes que foi reeleito com a pira do mensalão acesa. Desta vez ainda não tem munição para desfazer os danos à sua imagem junto ao eleitorado, mas a hora é dos armadores do jogo e não da plateia.
Os encontros de Lula não incluíram o presidente em exercício, Michel Temer, atual titular da coordenação política. Do entorno do vice têm partido as sinalizações de que o avanço da Lava-jato pode levar o partido a desembarcar do governo. Um petista com acesso à presidente da República lembra que o partido detentor da ficha de filiação do senador Renan Calheiros e do deputado Eduardo Cunha não deve temer contaminação da presidente. Desconfia que os aliados busquem, na verdade, enfraquecer os enfermos para cobrar tarifas de UTI.
Dos três pemedebistas mais poderosos da República, Lula privilegiou, em sua viagem à capital federal, o presidente do Senado. Deve ter muitas razões para isso além das relações mais fluidas que sempre manteve com os pemedebistas do Senado, mas a que parece mais evidente é a da generosidade de Renan com as pautas tucanas. Haja vista a celeridade com que trafega no Senado o projeto do senador José Serra pela retirada da Petrobras da operação obrigatória dos campos do pré-sal.
O café da manhã que Lula tomou na casa do presidente do Senado não deve ser suficiente para reverter o grande favoritismo com o qual o projeto entrou em plenário na noite de ontem. Mais do que mandar na pauta do Senado, o sinal enviado pelo ex-presidente é que o assédio da Lava-jato sobre ambos os aliados não deve afastá-los de propósitos comuns, a começar pelas eleições municipais.
Dos cinco grupos de trabalho criados pelo partido para tentar sair daquilo que o ex-presidente chamou de volume morto, aquele que tratará das eleições municipais, ficou com o presidente da legenda, Rui Falcão. Na terapia de redução de danos preconizada pelos dirigentes partidários é compreensível o tratamento de jóia da coroa dado pelo PT à disputa pelas prefeituras.
A condução da política econômica indica uma presidente pronta a enfrentar uma ressaca eleitoral no meio do mandato se este for o preço a pagar para chegar ao final dele com os sinais preservados. Mas o PT parece disposto a mostrar que, a depender do resultado de 2016, pode não haver 2018.
Ciente das dificuldades que enfrentará, o PT cuida de uma política de alianças que retire o partido de cabeças de chapa de derrotas cantadas, como o Rio, e valorize o cacife dos aliados. O PT está disposto a apoiar o indicado do prefeito Eduardo Paes se puder manter a vaga de vice e receber, do PMDB, indicações de manutenção da aliança em 2018.
O preço, que já parece alto, chega às raias do impagável se agregado à tarifa de manutenção da aliança em São Paulo. A entrada do PMDB na vice da chapa do prefeito Fernando Haddad à reeleição é a aposta mais alta que o PT pode fazer hoje na tentativa de isolar as candidaturas que mais o ameaçam, o da senadora Marta Suplicy e do deputado Celso Russomano.
Uma maneira de tornar o custo da manutenção dessa aliança com o PMDB mais palatável é dar um dedo de folga na corda que asfixia as prefeituras aliadas Brasil afora. É pela condição de recordista em prefeitos que o PMDB renova sua posição no podium das três principais bancadas da Câmara, desde sempre.
É nesta rota que se cruzam as viagens de Lula e Levy. Depois de entrar na Esplanada sob frequentes desautorizações da presidente da República, o ministro da Fazenda mostrou que é do ramo ao conquistar sua confiança. Numa dessas reuniões que Dilma faz noite de domingo adentro, Levy já ultrapassava o vigésimo gráfico no powerpoint quando a presidente perguntou a um vizinho de mesa se o ministro algum dia se mostrara cansado. Ao contar que, no ministério, ele era ainda pior, seu interlocutor ouviu de Dilma que era esta a razão de sua confiança no titular da Fazenda.
A disposição com que o ministro encarou um vôo para Nova York depois de receber alta de uma embolia é comparável à jornada cumprida por políticos em reta final de campanha. Levy foi protagonista da agenda de uma viagem que começou pela atabalhoada reação presidencial às delações da Lava-jato e terminou com o selo de 'líder global' conferido por Barack Obama.
O ministro tem uma incansável agenda política que vai dos gabinetes pemedebistas às mesas de festas em Brasília regadas à preleção pelo ajuste fiscal. A disposição com que Lula retomou a articulação política mostra que a presidente num futuro não muito distante será desafiada a redobrar a confiança em seu ministro.
Levy tem pela frente um Lula que o reconhece como âncora do governo, até porque já navegou entre os icebergs do ajuste, mas se prepara para reivindicar este lugar se um dia chegar a hora de parar de cortar para recomeçar a gastar. Um roteiro tão previsível quanto os destinos da Lava-jato.
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