• O país enfrenta uma tempestade perfeita. Mas a crise é de governo, não das instituições. E isso é razão para esperança em dias melhores
Guilherme Evelin – Revista Época
Em meteorologia, uma tempestade perfeita se forma quando há uma combinação rara de vários eventos climáticos que, em sua confluência, contribuem para aumentar o poder de devastação do vendaval. O Brasil está hoje no meio de uma tempestade perfeita. O país enfrenta uma convergência de crises nas esferas econômica, política e judicial que estão aumentando dramaticamente a intensidade das turbulências atuais.
Desde o começo do ano, as circunstâncias se agravaram em todas as frentes. Na economia, todas as projeções sobre a inflação, a queda do PIB, o aumento do desemprego e o estado das contas públicas pioraram em relação aos cenários iniciais de 2015 - que já eram sombrios. Na política, o governo Dilma Rousseff chegou ao nível mais baixo de apoio popular desde o governo José Sarney e perdeu o controle da agenda política. Sem sustentação, vem sendo submetido a sucessivas derrotas em votações no Congresso. No âmbito judicial, as investigações da Operação Lava Jato colocaram na cadeia acionistas e executivos das duas maiores construtoras do país - Odebrecht e Andrade Gutierrez. Também levantaram denúncias de que o caixa da campanha da reeleição da presidente Dilma, em 2014, foi abastecido com recursos desviados dos contratos superfaturados no esquema do petrolão. A medida da vastidão da tempestade foi dada na semana passada quando Dilma, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, disse que não vai cair - reação um tanto estabanada porque, ao comentar a hipótese, a presidente da República quebrou um dos códigos do poder: em casa de enforcado, não se fala de forca.
A sensação de vertigem em meio a um redemoinho aumenta porque uma crise alimenta a outra. Ao atingir algumas das maiores empresas do país, a Operação Lava Jato contribui para acentuar a recessão da economia. A crise econômica ajuda a afundar ainda mais o governo e a tirar dele sustentação política. A crise do governo, por sua vez, piora as perspectivas da economia. Sem estabilidade política, que é capaz de dar confiança no futuro, os investidores não se animarão — e isso dificultará a recuperação do crescimento econômico. E a sensação de desgoverno dá mais fôlego para os processos judiciais que podem, no limite, custar o cargo da presidente da República.
Como escapar desse ciclo infernal? O Brasil tem condições de superar a crise sem ser engolido pelo turbilhão? Em Uma história do povo americano, o ensaísta inglês Paul Johnson escreveu que a ascensão dos Estados Unidos de ex-colônia do Reino Unido à maior potência mundial foi determinada por muitos fatores, "mas o mais importante é sempre a qualidade das lideranças". "Afortunadamente para a América, a geração de políticos que emergiram para liderar as colônias rumo à independência foi um dos mais formidáveis grupos de homens da história: sensíveis, mentes abertas, corajosos, bem-educados, talentosos, maduros e dotados de visão de longo prazo", diz Johnson.
Desse ângulo, há motivos para cultivar o ceticismo. Como diz o ex-ministro e economista João Sayad, a "ausência de liderança do Brasil é gritante". "Falta ideia e falta gente", diz Sayad (leia a entrevista na página 52). Não é só o mandato da presidente Dilma que está sob ameaça de ser levado de roldão por investigações policiais-judiciais. Na linha de sucessão da República, os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também são alvos de investigações e podem ser processados. Faltam aos partidos políticos, depauperados, quadros com as qualidades dos líderes da Independência americana mencionadas por Johnson. Em 1992, no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, a presença de lideranças no Congresso, como Ulysses Guimarães, Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, ajudou a superar o trauma da queda do primeiro presidente eleito após o fim da ditadura militar. Hoje, como diz o cientista político Carlos Mello, professor do Insper, em São Paulo, "está difícil distinguir quem não é baixo clero no Congresso Nacional"
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A grandeza dos Estados Unidos foi feita, porém, também por instituições políticas sólidas que resistem à passagem dos homens e garantem o valor republicano da igualdade de todos perante a lei. Por esse ângulo, talvez de prazo mais longo, é possível ver a crise atual com lentes mais otimistas, como faz o cientista social Luiz Werneck Vianna (leia sua entrevista na página 50). "Os ocupantes dos cargos-chaves estão correndo risco de cair, mas a possibilidade de queda mostra que as instituições estão funcionando com muito vigor. Talvez o saldo atual seja o amadurecimento da política brasileira. O parafuso está sendo apertado", diz Werneck.
Ao contrário do que disse a presidente Dilma Rousseff e alguns dos mais aguerridos defensores de seu governo, não há golpismo. Os ritos da Constituição de 1988 estão sendo cumpridos. Não há uma crise institucional. Há uma crise de governabilidade — séria, é verdade. Mas o que o governo precisa fazer para superá-la, antes de tudo, é governar.
Com Marcelo Moura, Pedro Marcondes de Moura c Vinícius Gorczeski
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