• Tsakalotos é um marxista com modos informais. Seu preparo e temperamento permitem algum otimismo
• O novo ministro das Finanças da Grécia terá a missão de reabrir o diálogo com os alemães, a União Européia e o FMI Se conseguir, será um herói de nosso tempo
Rodrigo Turrer, com Gabriel Lelíis – Revista Época
O grito foi alto — e ouvido na Europa inteira. O "não" da população grega no referendo sobre os termos de um novo acordo com os credores do país tem repercussões imediatas e pode afetar as próximas gerações. Logo de cara, pode resultar na saída da Grécia do Euro. Se as previsões mais catastróficas se confirmarem, pode ser apontado no futuro como o primeiro sinal de esfacelamento do projeto europeu. O homem com a missão de evitar isso, estancar a sangria da Grécia e conseguir ajuda externa é um pacato economista de 55 anos, formado na Universidade de Oxford, casado com uma britânica e portador de dupla nacionalidade, holandesa e grega. Euclid Tsakalotos é conhecido por seu estilo despojado e temperamento ameno -o exato oposto de seu antecessor, o extravagante e mercurial Yannis Varoufakis, que deixou o cargo na semana passada. "Depois do resultado do referendo, eu soube de uma certa preferência de participantes do Euro grupo pela minha..."ausência" de suas reuniões", escreveu Varoufakis em seu blog pessoal. "Uma ideia que o primeiro-ministro considera potencialmente útil para ele chegar a um acordo. Por essa razão, estou deixando o Ministério das Finanças." Assim, sobrou para Tsakalotos convencer a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional a ajudar os gregos.
O ministro que saiu é um especialista em Teoria dos Jogos e ajudou o governo grego a fazer uma aposta que parecia maluca, mas se revelou correta: o chamado às ruas e a força do voto de um referendo aumentaram o poder dos negociadores gregos diante do Eurogrupo, que reúne ministros de Finanças e outras autoridades da Zona do Euro. Mas, com seu estilo truculento e agressivo, o ex-ministro estava identificado demais com as posturas intransigentes adotadas pela Grécia nas negociações dos últimos meses. "A saída de Varoufakis é um aceno aos credores feito pelo governo grego", escreveu Mujtaba Rahman, especialista em Europa da consultoria de risco Eurasia. "(O novo ministro) Tsakalotos conhece seu partido profundamente e pode ajudar a construir uma ponte entre os objetivos europeus e os objetivos gregos".
Tsakalotos anda de moto, usa mochila e dispensa terno e gravata, mas não segue o abrasivo discurso radical de seu antecessor. Nascido em Roterdã, na Holanda, em 1960, filho de um engenheiro civil e uma dona de casa gregos, Tsakalotos passou 30 anos na Inglaterra – onde estudou no colégio St. Pauli, um reduto da aristocracia britânica, antes de cursar política, filosofia e economia em Oxford, outro reduto aristocrático. Ph.D. em economia e política, começou a dar aulas na Universidade de Kent, ainda na Inglaterra, onde conheceu a economista Heather Gibson. Os dois se casaram e tiveram três filhos, antes de se mudar para a Grécia, em 1994, quando Tsakalotos virou docente 11a Universidade de Atenas.
O novo ministro difere do anterior em forma e conteúdo. Ao contrário de Varoufakis, que se proclama um"marxista errático", Tsakalotos – que também se define como marxista - é adepto da chamada "Nova Esquerda" Ou seja, como Tony Blair, nome mais reluzente da tendência, dispõe-se aparentemente a assumir compromissos com a realidade capitalista sem perder de vista seus objetivos sociais. Começou a militar no Partido Comunista da Grécia nos anos 1980 e se tornou um dos principais ativistas do Synaspismos — uma coalizão de esquerda fundada em 1991, que abarcava trotskistas, socialistas e verdes, e deu lugar, em 2013, ao Syriza, do atual primeiro-ministro, Alexis Tsipras. Desde o começo do Syriza, Tsakalotos é um de seus principais ideólogos, disposto a tudo para ajudar - até a ficar no caixa do souvlaki, um espetinho grego, nas festas para arrecadar fundos. Em 2012, foi eleito para o Parlamento grego. Antes de Varoufakis ser nomeado ministro das Finanças, Tsakalotos era o favorito para o cargo. Teve de se contentar com o posto de ministro adjunto de negócios estrangeiros e aguardou sua chance.
A paciência será uma virtude importante nas próximas rodadas de negociação — e a mudança no estilo é nítida. Na última quarta-feira, dia 8, depois de meses de impasse, Tsakalotos adotou um tom humilde e cumpriu a primeira condição para evitar a saída da Grécia da Zona do Euro: enviou o pedido para um terceiro programa de ajuda financeira. Atenas solicitou um resgate de € 50 bilhões, em troca de três concessões. A primeira é aceitar um programa completo de resgate, o que implica se submeter a revisões contínuas por parte do Eurogrupo. A segunda é a elevação do IVA (imposto sobre consumo) e uma reforma no sistema de aposentadorias a partir da semana que vem — um entrave nas negociações até agora. Por fim, Atenas deixou de pedir uma completa "reestruturação da dívida" e aceita discutir a questão até o fim do ano.
Ainda é pouco. Os gregos terão muito trabalho pela frente antes de dar fim ao período de tormento. E, qualquer que seja o desfecho dos acordos dos próximos dias, será amargo. Se houver algum tipo de acordo e a Grécia continuar no Euro, evita-se a catástrofe — mas persiste o problema da dívida dificílima de honrar, a pesar sobre uma economia já esmagada. Um novo empréstimo, como o pedido por Tsakalotos, inflará o montante da dívida para € 350 bilhões, quase o triplo do PIB.
O domingo, dia 12, foi fixado como um prazo para o acordo. Se não houver acordo, a saída da Grécia da Zona do Euro é uma opção concreta. O efeito afugentaria o investimento nos demais países europeus, uma vez que haverá maior insegurança sobre o futuro da moeda comum. Um estudo da firma de advocacia Baker & Mackenzie estima em US$ 1,4 trilhão o efeito da derrocada do euro na economia mundial. O problema econômico levaria a um problema político ainda maior. O euro sempre foi mais do que uma moeda: é a joia do projeto de unificação europeu. Uma eventual saída da Grécia poderia abrir a porteira para a fuga - ou expulsão - de outros endividados, como Portugal e Itália. Seria o fim prático da moeda comum de 19 países, fundamental para cimentar o projeto. A incerteza política aumentaria. O projeto de integração regional mais bem-sucedido do mundo ficaria rachado. Ganhariam voz nacionalistas e extremistas contrários à União Europeia em todo o continente. Como disse Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu; "Um fracasso será doloroso para o povo grego e pode ter um impacto geopolítico em toda a União Europeia. Quem pensar o contrário é ingênuo"
Os líderes europeus precisam encontrar rapidamente uma solução. Os sócios procuram uma fórmula para evitar o calote de uma dívida de € 3,3 bilhões que precisa ser paga ao Banco Central Europeu no próximo dia 20. A Grécia provavelmente se comprometerá com novas medidas (cortes ou reformas). Enquanto isso, a Europa deverá dar alguma segurança a bancos e instituições financeiras gregas que estejam no rumo do colapso, pela contínua fuga de capital.
Em uma tragédia grega clássica, problemas aparentemente insolúveis podem ser resolvidos pela entrada em cena de um elemento radicalmente novo, como um deus com poderes para consertar o que está errado. O recurso se chama de deus ex machina. É injusto depositar esse tipo de responsabilidade sobre um homem. Mas é o que se espera, agora, de Tsakalotos.
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