segunda-feira, 13 de julho de 2015

Luiz Werneck Vianna - O Otimista

• Para o cientista político Luiz Werneck Vianna, as instituições brasileiras vão bem - e reclamar de golpismo é um recurso velho, que faz lembrar a era Vargas

Marcelo Moura – Revista Época

A presidente Dilma Rousseff foi convocada pelo Tribunal de Contas da União a explicar as pedaladas fiscais do Orçamento de 2014 e é investigada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela denúncia de que sua campanha pela reeleição recebeu doações irregulares. Uma condenação pode abrir caminho para a cassação do mandato e do vice-presidente, Michel Temer. Os próximos na linha de sucessão da República, os presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e do Senado Federal, Renan Calheiros, também são alvos de investigações e podem vir a ser denunciados. A remota possibilidade de uma perda total na cúpula do Executivo e do Legislativo não preocupa o cientista social Luiz Werneck Vianna. Ao contrário. A independência para conduzir investigações que põem em risco os mandatários do país, afirma Werneck, mostra a força das instituições do país.

ÉPOCA - A presidente da República e os presidentes da Câmara e do Senado enfrentam investigações que, no limite, podem lhes custar os cargos. Há risco de uma crise institucional no Brasil?

Luiz Werneck Vianna - A crise atual é um copo pela metade. Depende de como se olhe. Os ocupantes dos cargos-chave estão correndo risco de cair, mas a possibilidade de queda mostra que as instituições estão funcionando com muito vigor. Com muita rigidez. Talvez o saldo atual da crise seja, ao contrário do que veem alguns, o amadurecimento da política brasileira. Eu vejo por esse ângulo. O parafuso está sendo apertado.

ÉPOCA - O amadurecimento da política no Brasil pode ser traumático, como na Itália após a Operação Mãos Limpas, que levou à decadência dois dos maiores partidos?

Werneck - Vejo a crise brasileira como um avanço, não como retrocesso. Há um elemento de imprevisibilidade aí, mas penso que todos os atores envolvidos têm a consciência de que há muito mais a preservar do que a destruir.

ÉPOCA - O que há a preservar e o que há a destruir?

Werneck - O que há a preservar são as instituições da Constituição de 1988, que ampliou o poder de investigação de órgãos como o Ministério Público. A destruir, o poder de quem tiver cometido irregularidades. Enquanto a apuração ocorre, há uma crise de governabilidade no país.

ÉPOCA - O que explica a atual crise de governabilidade?

Werneck - A crise começou quando a presidente assumiu o segundo mandato e rompeu com a base aliada. Qualquer presidente brasileiro, desde Fernando Collor (empossado em 1990, sofreu impeachment em 1992) sabe que fica muito exposto sem maioria parlamentar. Fernando Henrique Cardoso e Lula foram muito ciosos de manter o apoio do Congresso. Dilma fez outro cálculo e desestruturou sua base de poder.

ÉPOCA - Como essa crise pode ser superada?

Werneck - Não vai ser fácil. Uma boa parte dessa crise vem da crise econômica, que esvazia o apoio ao governo. Os problemas econômicos dificilmente vão embora.

ÉPOCA - A presidente Dilma chamou de golpistas aqueles que falam em seu Impeachment. Há um clima de golpismo no país?

Werneck - Eu não vejo golpismo. Reclamar de golpismo é um recurso velho, que faz lembrar a era Vargas. Acho que o pacto das instituições está inteiramente preservado. O TSE está apurando possíveis irregularidades, o TCU está apurando, a Polícia Federal está apurando. A apuração de denúncias é um sinal de saúde de nossas instituições. O que caracteriza um golpismo é recorrer aos militares. Até agora, ninguém apelou aos quartéis. Partidários e opositores da presidente falam em apelar às ruas, mas não vejo nisso uma intenção de apelar à força. Uma guerra civil é extremamente improvável.

ÉPOCA - Um impeachment, o segundo em 30 anos de redemocratização» não abalaria a democracia?

Werneck - Prefiro que não ocorra impeachment, mas, se vier, veio. Terá vindo da lógica autônoma de instituições como a Polícia Federal, o Ministério Público, o TCU ou o TSE. São órgãos de investigação e regulação previstos na Constituição, fortalecidos por regras que a própria presidente Dilma ajudou a implementar.

ÉPOCA - O Supremo Tribunal Federal considerou constitucionais o casamento gay e a cota para negros nas universidades. Há um protagonismo desproporcional do Judiciário?

Werneck - O protagonismo do Judiciário foi criado e aprimorado por nós. Não é de hoje. Ele vem amadurecendo desde a década de 1930, por decisão da própria sociedade. Quem trouxe a Justiça do Trabalho para as relações do trabalho fomos nós. Quem trouxe a Justiça Eleitoral para as eleições fomos nós. Há mais de 80 anos. Quem criou instituições como a ação civil pública fomos nós, na Constituição de 1988. Quem deu vida às ações diretas de inconstitucionalidade foi o Partido dos Trabalhadores, durante o governo FHC. O PT mostrou a existência de um novo espaço de luta política, no Judiciário.

ÉPOCA - Como vê o novo protagonismo do Legislativo, que passou a ditar a agenda política do país?

Werneck - O presidencialismo de coalizão fortaleceu o Legislativo como mercado de trocas e lugar de favores. Quando o Legislativo assume o protagonismo, não é de se lamentar. É de se vangloriar. Finalmente, o Legislativo legisla.

ÉPOCA - Por que o Poder Executivo não consegue se impor mais no Congresso?

Werneck - Dilma não notou que as circunstâncias mudaram. O presidencialismo não pode ser mais o que foi durante o governo Lula, que desfrutou apoio parlamentar e popular por conta de programas sociais bem-sucedidos. Ela não percebeu que não poderia ser tão rígida e desafiadora ante os partidos da base aliada. Para governar, tem de ter base parlamentar que a sustente. Hoje, Dilma não tem apoio nem da bancada do partido dela. Não dá para governar sem apoio.

ÉPOCA - Quando poderemos superar a crise política?

Werneck - No curto prazo, não vejo perspectiva. Nenhum partido foi capaz de se renovar. Estão esclerosados. Olhe para a Espanha, a Itália ou a Grécia. Eles têm políticos jovens e movimentos sociais presentes na vida partidária. Aqui, há um dissídio. Os jovens no Brasil estão nas ruas contra a redução da maioridade penal, mas a Câmara não capta. Nem quer captar. Ela se divide em bancadas temáticas: a da bala, a dos evangélicos, a dos ruralistas... É sinal de que há algo muito doente. A democracia demanda partidos representativos. Tomara que uma consequência dessa crise política seja a abertura dos partidos políticos.

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Luiz Werneck Vianna é cientista social, mestre em ciência política pelo Iuperj e doutor em sociologia pela USP. É autor de livros como A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (2007) e A democracia e os Três Poderes no Brasil (2002)

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