segunda-feira, 13 de julho de 2015

José Roberto de Toledo - O milhão a menos

- O Estado de S. Paulo

Enquanto o Congresso se prepara para merecidas férias (deputados e senadores estavam desacostumados a trabalhar tanto como nesses três meses) e o governo federal divide sua imaginação entre modos de cortar gastos, aumentar impostos e garantir sua própria sobrevivência, talvez valha a pena gastar tinta e bytes com um tema que não tem a ver diretamente com a política partidária, mas que deveria ser uma prioridade das políticas públicas.

Nas últimas duas décadas, 1 milhão de pessoas foram assassinadas no Brasil. Mais precisamente, 1.033.200 entre 1996 e 2013, segundo estatísticas extraídas do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde. De cada 100 mortes ocorridas no período, seis foram obra de assaltantes, cônjuges, policiais, traficantes ou desconhecidos. Nem todas as doenças infecciosas juntas mataram tanto. De fato, vitimaram 177 mil a menos.

Mais grave, as mortes matadas vêm aumentando e não diminuindo, como se esperaria. Nunca se matou tanto no País quanto em 2013 (ao menos enquanto as estatísticas de 2014 não são publicadas).

Somando-se “agressões” – como a epidemiologia se refere aos assassinatos –, os mortos em “intervenções legais” – isto é, por ação de policiais – e 80% dos casos cuja “intenção é indeterminada” (quem preencheu a declaração de óbito não soube precisar se foi homicídio, suicídio ou acidente), houve em 2013 65.089 vítimas de homicídio – não no sentido legal, mas literal, de destruição da vida de alguém por obra de outra pessoa.

É um pouco mais do que em 2012, que já havia registrado mais homicídios do que 2011, que havia superado 2010. Apenas por comparação, em 1996, quando a série histórica começa, foram computados 46.648 assassinatos (usando a mesma metodologia). Ou seja, o aumento foi de 40%. A causa é o crescimento e envelhecimento da população, dirão os otimistas. Nem tanto. Ao mesmo tempo, as demais causas de morte cresceram 18% menos.

Sob vários aspectos, poderia ser considerada uma epidemia: além de aumentar continuamente, está se alastrando para quase todos os cantos do País. A tendência é de crescimento em 22 das 27 unidades da Federação. O homicídio se espalha mais violentamente nos Estados do Nordeste. Seu principal vetor também é conhecido.

Pelo que se sabe, ao menos 6 a cada 10 assassinados foram alvo de disparos fatais de armas de fogo. A proporção é provavelmente maior, porque cerca de 20% das declarações de óbito são tão mal preenchidas que se sabe apenas que a pessoa foi morta, mas não se sabe como. Mesmo assim, é o suficiente para se constatar que nenhum objeto é mais eficiente para matar. Para cada morto por facas e facões, pistolas, revólveres e fuzis matam meia dúzia.

Homens são, de longe, os principais autores e as maiores vítimas dos homicídios, na proporção de 9 para 1 em relação às mulheres. Embora aumente em números absolutos, o feminicídio manteve ao longo de praticamente 20 anos a mesma proporção de 10% a 11% dos homicídios. Os outros 90% são consistentemente masculinos.

Praticamente metade das vítimas – sejam homens ou mulheres – estava no auge da juventude quando foi assassinada: 49% dos mortos por homicídio têm entre 15 e 30 anos de idade. O maior risco incide para os brasileiros entre 20 e 24 anos.

A dimensão coletiva desse massacre é quase tão trágica quanto os dramas individuais. São séculos em potencial de anos de vida perdido por tanta gente que morreu tão jovem. Mas há também o impacto econômico. É uma epidemia que ataca o coração da força de trabalho: 3 em cada 4 assassinados tinha entre 20 e 60 anos.

Dos que mudam a lei para ganhar votos, passando por todas as esferas do Executivo e instâncias do Judiciário, os agentes públicos poderiam fazer um minuto de reflexão sobre esse milhão a menos de brasileiros. E agir para que não virem dois.

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