- O Globo
• Estabelecemos regras que vigoram em todo o território nacional independentemente das diferenças regionais, que são imensas
A deterioração do emprego no Brasil é preocupante. Saímos de um percentual de 5,5 % de desemprego para os atuais 8,1%, medidos pelo Pnad, em relativamente pouco tempo. Tão grave quanto o crescimento foi a velocidade do processo.
O governo tentou emplacar um plano através do qual se reduziria a jornada de trabalho e o salário para alguns setores da economia. Apesar de aparentemente engenhosa, a medida foi rechaçada pelos sindicatos e pelas empresas. Deu bode. Por parte dos empregados a recusa a uma redução média dos salários em torno de 15% é óbvia. De outro lado, esses acordos, ainda que previstos na legislação, geram temor nos empregadores em aderirem ao plano e depois serem acionados na Justiça trabalhista. Certos segmentos não querem se comprometer com a manutenção dos postos em função da recessão.
As crises devem servir para que se façam mudanças para além de ajustes. Devemos aproveitar para retirar delas consequências mais duradouras sobre nosso futuro e sobre o desenho jurídico e econômico que queremos para nosso país. Essa perda vertiginosa de empregos não pode ser imputada aos ajustes propostos e implantados parcialmente pelo governo, até porque não houve tempo físico para que eles produzissem efeitos. Temos que buscar a causa e não nos contentarmos com a consequência.
Há décadas continuamos adotando uma legislação trabalhista concebida na Era Vargas. O que foi fundamental naquele período de enorme desproporção na relação capital-trabalho não tem mais razão no país atual. O volume de violências que eram produzidas contra a classe trabalhadora — ausência de um salário-mínimo, de férias, de duração da jornada do trabalho e de repouso remunerado — tinha que ser corrigido, e o foi. Construímos junto uma Justiça que partia do pressuposto de que, para ser justa, deveria dar ganho de causa sempre ao trabalhador em detrimento do empregador, independentemente da natureza dos fatos.
A nossa Consolidação das Leis do Trabalho sancionada em 1943, influenciada pela “Carta Del Lavoro” de Mussolini, continua a reger nosso direito trabalhista. Existem nela dispositivos tão verdadeiros quanto uma nota de 3 reais. Por exemplo, a dispensa por justa causa pelo empregador. Mera figura de retórica.
A urgência daquele período estava em corrigir e equilibrar o jogo a favor do trabalhador. A ideia era garantir o emprego por um aparato legal e por um Judiciário que tendesse sempre em favor do empregado. Era necessário que o mundo que se pretendia capitalista reagisse à sedução do credo comunista. No universo atual globalizado, no qual um terno italiano é feito por mão-de-obra chinesa, onde empresas colocam suas sedes em função de um regime tributário mais benéfico a elas, devemos repensar essa dinâmica de forma mais sofisticada.
Estabelecemos regras que vigoram em todo o território nacional independentemente das diferenças regionais, que são imensas. Pretender aplicar um mesmo percentual de reajuste salarial em São Paulo ou no Acre é um anacronismo. No Japão, para citar exemplo oposto, cada fábrica de um mesmo setor tem liberdade de fixar a remuneração de seus funcionários a partir da situação efetiva da empresa naquele ano.
Recentemente, ainda que movido por uma correta motivação, o governo desarrumou as relações do trabalho doméstico. Poderiam ter corrigido as distorções implantando o Fundo de Garantia, regulando a jornada de trabalho e as horas extras (onde existiam inúmeros abusos), mas transplantaram uma legislação trazendo para dentro das residências regras e controles comuns às empresas. Vai dar bode.
O objetivo desse artigo não é uma defesa liberal das relações de emprego no país. Nada disso. Sabemos que a assimetria entre capital e trabalho prossegue a despeito da melhor distribuição da renda ocorrida nos últimos anos. A concentração de riqueza no Brasil ainda é enorme. O que sustentamos é que ela não se resolverá com essa legislação trabalhista velha e anacrônica.
O capital financeiro pode movimentar-se e revoar em busca de paisagens e estruturas fiscais menos onerosas. O capital humano não. Ele representa a essência de toda nação. O que se quer demonstrar é que parte do aumento do nosso desemprego tem como causa, tem como origem, esse arcabouço jurídico do passado. Em nome de defender o trabalhador ele engessa, imobiliza as relações de trabalho. Modernizá-lo é a melhor forma de preservar o emprego e o trabalhador no presente.
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Luiz Roberto Nascimento Silva é ex-ministro da Cultura do governo Itamar Franco
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