quarta-feira, 22 de julho de 2015

Ócio inconstitucional – Editorial / Folha de S. Paulo

• Contrariando regra da Constituição, parlamentares entram em recesso; atitude reforça a impressão de que se sentem acima da lei

Falando em cadeia nacional de rádio e televisão na sexta-feira (17), o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), listou as iniciativas tomadas pela Casa no primeiro semestre.

Da chamada PEC da Bengala à redução da maioridade penal, da extinção do fator previdenciário à votação da reforma política, "nunca a Câmara trabalhou como agora", afirmou, após enumerar as ações realizadas sob seu comando.

Pode ser. Embora a aprovação de leis em ritmo frenético nem sempre represente um ativo parlamentar –mudanças apressadas no ordenamento não raro resultam em contradições–, é evidente que, nesse ponto, a atual legislatura se diferencia das anteriores. Iguala-se, porém, quando se trata de ignorar uma certa regra constitucional.

O segundo parágrafo do artigo 57 da Constituição determina: "a sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias". Não há espaço para dúvidas; em redação clara e direta, o constituinte hierarquizou as prioridades.

Nenhum congressista haverá de dizer que desconhece o texto da Lei Maior do país. Todos, contudo, passaram a desfrutar, desde segunda-feira (20), de um recesso de duas semanas em suas atividades na Câmara e no Senado.

Bastou um acordo entre os líderes dos partidos e os presidentes das duas Casas para que a votação das diretrizes orçamentárias cedesse lugar ao ócio parlamentar.

Deram de ombros, portanto, para a peça legislativa que estabelece as metas da administração pública federal para o ano seguinte, servindo de base para a elaboração do Orçamento da União.

No ano passado, manobra idêntica colaborou para um atraso de meses na definição dos gastos previstos para 2015, prejudicando, entre outras coisas, o repasse de recursos a Estados e municípios.

Os proventos e benefícios dos congressistas, por sua vez, não ficaram nem ficarão prejudicados nessas duas semanas de folgas irregulares. Os 594 parlamentares receberão integralmente o salário de R$ 33,7 mil, bem como as verbas de gabinete e as generosas regalias vinculadas aos cargos.

Desrespeitando normas que deveriam ser observadas por todos neste país ou premiando-se com vantagens pecuniárias e mimos inalcançáveis para a maioria da população, deputados e senadores apenas reforçam a impressão de que se sentem acima da lei.

Ou se sentiam: com o avanço das investigações no âmbito da Operação Lava Jato, muitos políticos nem conseguirão aproveitar suas folgas como gostariam.

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