- Folha de S. Paulo
• A paralisia econômica que assola o país tornou o ajuste fiscal inviável, ainda que o Congresso quisesse ajudar
A obra-prima do argentino Ernesto Sábato publicada em 1948 é narrativa para lá de instigante, além de reflexão fundamental sobre as funestas galerias subterrâneas brasileiras estampadas todos os dias nas páginas dos jornais.
Nestes tempos em que túneis e poços tornaram-se metáforas indispensáveis para entender o Brasil, vale a leitura desse livro breve e poderoso.
Trata-se da história do pintor Juan Pablo Castel, que sabemos logo nas primeiras linhas ter assassinado a mulher que amava. A angústia frenética do protagonista, o mistério e a tensão da narrativa estão na busca de explicações para o inexplicável.
No fim, vencem as mentiras e a hipocrisia de Juan Pablo, desaguando no pessimismo absoluto, no vazio. Juan Pablo não sabe, verdadeiramente, por que cometeu o crime. Juan Pablo é a metáfora perfeita para o Brasil niilista que se aniquila no vazio.
Esta coluna é sobre economia. Contudo, está difícil falar sobre a economia brasileira diante da crise política que se aprofunda a cada dia. O governo anunciou recentemente três boas iniciativas para destravar –em tese– o crescimento brasileiro: a estratégia para melhorar a infraestrutura, o apoio à agricultura e o Plano Nacional de Exportações.
Entre críticas e elogios, os três pilares da "agenda positiva" são fundamentais para que, com o ajus- te fiscal e as demais políticas de estabilização propostas pela equipe econômica, o Brasil possa erguer-se novamente.
No entanto, as chances de que qualquer dessas iniciativas, o ajuste fiscal incluído, saiam do mun- do das ideias para a realidade são quase nulas. Não há como avançar em nada uma vez que o país tenha escolhido ser Juan Pablo. Já deveríamos saber disso observando o que ocorreu na terra natal de Ernesto Sábato.
Há uma crise política gravíssima no país. Crise que, em meio à profusão de escândalos, levou a economia à mais completa paralisia. É a desconfiança perversa que torna impossível traçar cenários para a economia brasileira. Hoje, falam em queda do PIB de 2% neste ano, em cenário não muito melhor no ano que vem. Contudo, a verdade é que ninguém sabe, haja vista as revisões frequentes do crescimento feitas tanto por analistas domésticos quanto pelo FMI. Sintoma disso é o anúncio sobre a redução da meta fiscal para 2015, de 1,2% do PIB para 0,15%.
O motivo é para lá de conhecido: como o ajuste fiscal brasileiro conta com aumento considerável da arrecadação para se sustentar, a paralisia econômica que assola o país o tornou inviável, ainda que o Congresso quisesse ajudar. Melhor seria se a política fiscal pudesse ser mais equilibrada, mas os gastos engessados do Orçamento não o permitem. Resta ver como reagirão as agências internacionais de risco, atarefadas com a profusão de revisões de classificação de empresas brasileiras envolvidas na Lava Jato e com as dúvidas que cercam o moribundo grau de investimento do país.
Em determinada altura da narrativa, o protagonista de Sábato queixa-se de que ninguém o entende, que a única pessoa que o entenderia é a mulher que assassinara. Lembra um governo que, em quatro anos e sete meses, destruiu as perspectivas de crescimento do país sem nenhuma razão que se sustente.
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Monica de Bolle, economista, é doutora pela London School of Economics e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics.
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