Valor Econômico
• Os tucanos que preferem tocar fogo no circo ajudam o país a regredir e desdenham a estabilidade da moeda
Melhor fariam os políticos honestos do Brasil - não se sabe quantos seriam, mas com certeza ainda existem alguns - se, ao invés de conspirarem em proveito próprio, passassem a trabalhar com a ideia de articular um grande pacto político em prol das reformas necessárias ao desenvolvimento do país, em especial a reforma política.
Com Dilma ou sem Dilma, o momento de tensão que tem sacudido ânimos e desânimos se apresenta como uma daquelas raras oportunidades que, bem aproveitadas, podem garantir grandes avanços. O Brasil encontra-se em uma encruzilhada política, nitidamente resultante da falência do modelo de consenso que viabilizou o transcurso pacífico da ditadura para a democracia nos anos 80.
O modelo agoniza. Ninguém imagina que faça sentido ter no Congresso vinte e oito diferentes partidos políticos, muitos dos quais só funcionam à base da troca de interesses paroquiais e pessoais. Alguns políticos ainda lutam com unhas e dentes pela sobrevivência, apelando inclusive à tática da ameaça e da chantagem, mas as chances de se firmarem são mínimas. Quem se juntar a esses tipos, apostando no vale tudo inconsequente, estará fadado a submergir junto.
Aquele é o risco que corre o senador Aécio Neves que, inconformado com o resultado das últimas eleições presidenciais, tem pregado novas eleições a partir da expectativa de impugnação do mandato da presidente Dilma Rousseff. Sua tese, no entanto, implica a impugnação também do vice-presidente Michel Temer, pois só assim o caminho estaria livre para a convocação de eleições antes de 2018, fora, portanto, do calendário eleitoral.
Sem que se aprofunde aqui uma análise sobre o comportamento do senador e sem entrar no mérito da justificativa ou não dos "impeachments" da presidente e do vice-presidente, é preciso destacar algumas das complicadas implicações da tese da antecipação das eleições.
Primeiro, o resultado de um novo pleito na situação de densa confusão política em que se encontra o país poderia ser qualquer um. Ou seja, ao contrário do que deve estar imaginando o senador, nada garante que fosse ele o eleito se uma eleição presidencial viesse a ocorrer nos próximos meses.
Segundo, com que legitimidade o próximo presidente governaria?
Terceira, com que base política? Sim, porque uma eleição antecipada, nas circunstâncias atuais, teria potencial para abrir a temporada "do que der e vier", fragilizando ainda mais as relações entre os poderes Executivo e Legislativo.
Agora, voltando para as questões de fundo, não se conhecem os indícios que levariam a imaginar a hipótese de impedimento do vice-presidente. Hipótese esta que, aliás, se averiguada, fundamentada e confirmada, poderia ocorrer sem que o mandato da presidente Dilma fosse necessariamente impugnado. Ao contrário, um eventual "impeachment" da presidente não implica automaticamente o impedimento do vice-presidente.
O senador Aécio Neves, que não se diz golpista, daria maior contribuição, honrando a tradição do nome, se começasse a substituir a palavra "eleição" por "pacto político" nas conversas com os parceiros, partidários ou não.
Qualquer outra saída para o impasse atual coloca o PSDB inexoravelmente no colo do PMDB, com ou sem eleições antecipadas. Portanto, melhor seria para o senador Aécio e o seu partido se fosse do PSDB e não do PMDB a iniciativa de liderança em prol de um movimento político mais amplo, que unisse o país em torno das inúmeras reformas pendentes e que, conforme já se percebeu, jamais serão aprovadas por iniciativa espontânea do Congresso Nacional.
Mas pode ser que isso não faça sentido. Pode ser que as pretensões do PSDB sejam tão imediatistas quanto simplórias. Pode ser que ao partido lhe baste agir como o PMDB, ou como muitos políticos do PMDB, que não têm compromisso sério com nada. Em verdade, manifestações recentes de alguns pessedebistas, como no voto contra o fator previdenciário - instituído no governo FHC depois de muito trabalho junto aos parlamentares, visando reduzir o desequilíbrio financeiro da previdência social - e na defesa da correção do FGTS, fazem pensar que o partido se descaracterizou.
Os "tucanos" que preferem tocar fogo no circo ajudam o país a andar para trás. Agem para piorar o déficit público, em confronto com a própria plataforma política do ajuste fiscal. Apostam no caos e na disparada da inflação sem se importarem com o significado disso e sem nem mesmo se preocuparem em considerar a maior conquista que um partido político jamais alcançou no país: a da estabilização da moeda, que ainda perdura, mas que pode sofrer profundos abalos se o atual processo de desgaste político não tiver um desfecho grandioso, a favor do Brasil.
O PSDB fez o Plano Real, mas não parece estar à altura do feito. Era outra a cara do partido, então. E era outra a visão do partido, tanto de conteúdo, quanto de alcance. Não foi fácil colocar o Real de pé. A conjuntura apresentava-se extremamente complicada, não havia credibilidade nos políticos e a economia patinava. Mas com vontade, coerência e sinceridade de propósitos, tudo é possível. Se não for o senador Aécio Neves, indicado nas urnas como líder natural da oposição, que seja outro a liderar o consenso com vistas ao novo pacto político no Brasil. Não se pode perder esta grande chance.
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