- O Globo
Os paradoxos da política brasiliense acabam de criar um enigma a ser decifrado: o mesmo relatório que está sendo usado pela base governista para dar mais fôlego à presidente Dilma, pode criar-lhe sérios problemas. Um parecer rigoroso do Ministério Público de Contas sobre a gestão econômica do governo no último ano do primeiro mandato da presidente Dilma está sendo usado numa manobra parlamentar da base governista para adiar a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), dando mais fôlego ao governo.
No entanto, também um oposicionista, o deputado federal Raul Jungmann, do PPS, exigiu que o relatório do Procurador Julio Marcelo de Oliveira, com acusações que não constavam do relatório do ministro Augusto Nardes, fosse enviado ao Palácio do Planalto para ser respondido pelo governo.
O relatório recomendou aos ministros do órgão que reprovem as contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff, classificando-as de “verdadeira política de irresponsabilidade fiscal, marcada pela deformação de regras para favorecer os interesses da Chefe do Poder Executivo em ano eleitoral e não os interesses da coletividade no equilíbrio das contas".
A ligação direta entre as contas irregulares do governo federal em 2014 e as eleições presidenciais é o fator político que pode reforçar o pedido de impeachment contra a presidente Dilma. O nexo de causalidade está na programação financeira e no contingenciamento, previstos nos artigos 8º e 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois tratam de competência privativa da Presidente da República, isto é, não podem ser atribuídos a decisões de ministros ou assessores.
Os Decretos de abertura de crédito, assinados pela Presidente, estão em flagrante afronta à lei orçamentária, afirma o Procurador. O artigo 15 da LRF diz tratar-se de despesa não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público, criando as condições para a tipificação do crime no artigo 359 do Código Penal. No Artigo 10, alínea 4, da Lei de Responsabilidade Fiscal está dito: São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária: 4 – Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária. No Artigo 11, alínea 3, explicita-se: São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: 3 – Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.
É importante ressaltar, argumentam consultores do TCU, que as 'pedaladas' foram na verdade instrumento para fraudar a programação financeira e o cronograma mensal de desembolso. Ao omitir pedidos de créditos suplementares cujas despesas se confirmaram em 2014, repetindo o padrão de 2013, ficaria clara a intenção de não incluir tais créditos de despesas obrigatórias na programação financeira para parecer, artificiosamente, haver fôlego financeiro e fiscal para realizar mais despesas discricionárias, que são aquelas que os governos gostam de realizar em ano eleitoral, como os investimentos, pois isso dá voto.
Também é importante ressaltar que a LRF não é uma lei eleitoral, como já escrevi aqui na coluna várias vezes. Mas como as finanças públicas são essenciais para implantar políticas, a LRF traz regras duras e específicas para final de mandato, exatamente para aquele que tem a chave do cofre nas mãos não a use de forma a desequilibrar o pleito, gastando o que tem e o que não tem para se reeleger ou, se não se reeleger, deixar uma dívida astronômica e insustentável para o sucessor.
Para evitar isso, a LRF tem regras que impedem contratação de pessoal nos últimos 180 dias do mandato (artigo 21), impede assunção de obrigação financeira de abril a dezembro do ultimo ano de mandato sem deixar disponibilidade de caixa para os restos a pagar (artigo 42) e tem regras mais rígidas para coibir operação de crédito por antecipação de receita no último ano de mandato (artigo 38), instrumento muito usado antes da LRF para alavancagem eleitoral pelos gestores, e que voltou a ser usado agora.
Para completar o rol de medidas com vistas a garantir o equilíbrio fiscal, o que é um grande desafio em ano eleitoral, a LRF proibiu, definitivamente, o uso de bancos para custear os governos (artigo 36 - as tais pedaladas), prática comum nas décadas de oitenta e noventa. Para o procurador, o governo cometeu fraude ao não cortar despesas mesmo sabendo desde fevereiro de 2014 que não teria receitas para cobrir todos os compromissos.
Esse relatório não foi anexado ao material enviado pelo TCU à presidente Dilma Rousseff, e o ministro Augusto Nardes alegou que o conteúdo já estava abarcado por seu próprio relatório. Agora, teve que anexá-lo por determinação do Senado, dando mais tempo para a presidente Dilma, mas também mais dificuldades para explicar suas contas.
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