Apesar do horizonte nublado e das seguidas ondas de turbulência, analistas internacionais velhos conhecidos do mercado começaram a dar sinais de interesse em voltar a aplicar no Brasil, nos últimos dias. Um deles foi Mark Mobius, americano que passa a maior parte do tempo em viagens a mercados emergentes, onde aplica cerca de US$ 38 bilhões da gestora Franklin Templeton. Outro foi o mais discreto chefe de economia e estratégia do Bank of America Merrill Lynch, David Beker. Ambos afirmaram que a desvalorização do real criou oportunidades de investimento boas e baratas no mercado brasileiro, que ficaram mais atraentes após a decisão da agência de avaliação de risco de crédito Standard & Poor's (S&P) de rebaixar a classificação do país abaixo do grau de investimento.
O dólar subiu ao redor de 50% neste ano até ontem e o Banco Central (BC) acaba de revisar suas projeções para o balanço de pagamentos, dado o impacto dessa correção nas contas externas, que devem sofrer um dos maiores ajustes da história. Nos primeiros oito meses do ano, o déficit em conta corrente já diminuiu 29,4%, passando de US$ 65,3 bilhões em 2014 para US$ 46,1 bilhões neste ano. O BC reduziu a previsão de déficit em conta corrente do ano para cerca de US$ 65 bilhões, ou 3,71% do Produto Interno Bruto (PIB), em comparação com os US$ 81 bilhões que esperava anteriormente. Se a nova previsão se confirmar, o déficit deve diminuir cerca de 37% frente aos US$ 103,6 bilhões de 2014, equivalentes a 4,4% do PIB.
Ajuste de igual magnitude no balanço de pagamentos somente ocorreu em 2002. No mercado financeiro, há previsões semelhantes, como a estimativa de déficit de US$ 66 bilhões do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV); e a de US$ 63 bilhões do Bradesco. Mas circulam também números ligeiramente maiores, como os do Itaú e da mais recente pesquisa Focus, de déficit de US$ 71 bilhões.
O ajuste ocorre principalmente na balança comercial e em outras contas mais sensíveis ao câmbio, como as remessas de lucros e dividendos e gastos com viagens internacionais. O empurrão extra vem da recessão e aumento do desemprego, que contêm as importações, as remessas ao exterior e os gastos das famílias.
A balança comercial acumulou superávit de US$ 7,3 bilhões de janeiro a agosto, como resultado da queda de 21,3% nas importações, reflexo da retração econômica e do recuo dos preços do petróleo, e de 16,7% nas exportações. Com o movimento de setembro, o saldo positivo pode superar US$ 9 bilhões. O saldo projetado para o ano pelo Banco Central está em US$ 12 bilhões e chega a US$ 14 bilhões nos cálculos do Ibre-FGV, uma reviravolta em comparação com o déficit de US$ 3,9 bilhões de 2014, e o melhor desempenho desde 2012, quando o superávit foi de US$ 19,4 bilhões.
As remessas de lucros e dividendos e os gastos com viagens ao exterior recuaram 39% e 26,8%, respectivamente, de janeiro a agosto em comparação com igual período de 2014. Com o nível de atividades em queda, poucas empresas têm o que remeter ao exterior.
Apesar de os ativos brasileiros estarem bem mais barato em dólares por efeito da forte desvalorização cambial ocorrida até agora e, a despeito de os especialistas revelarem maior interesse em colocar dinheiro no país, as contas do balanço de pagamentos ainda não indicam um ingresso mais substancial. O investimento direto no país somou US$ 42,2 bilhões de janeiro a agosto e a previsão do Banco Central é que feche o ano em US$ 65 bilhões, bem abaixo dos US$ 96,9 bilhões de 2014. Os investimentos em carteira somam US$ 21,5 bilhões nos oito primeiros meses do ano, 46,4% a menos do que no mesmo período de 2014, distância que pode aumentar após o rebaixamento do rating do país, que afeta mais as aplicações em renda fixa e inibe as vendas de bônus.
Se a previsão do Banco Central se confirmar, o investimento direto no país deverá ser suficiente para voltar a cobrir todo o déficit em conta corrente, pela primeira vez desde 2012. O que põe em risco a possibilidade de que o interesse por barganhas no mercado brasileiro se traduza em investimentos efetivos é a volatilidade do câmbio, que cria a perspectiva de que os ativos poderão ficar ainda mais baratos nos próximos meses, dada a incapacidade de o país lidar com seus problemas.
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