O rebaixamento para grau especulativo da dívida externa soberana brasileira, pela agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P), poderia ter sido evitado ou pelo menos adiado. Foi um erro gravíssimo de política econômica o envio do projeto de Orçamento ao Congresso Nacional prevendo um déficit em 2016. O compromisso com o ajuste fiscal da presidente Dilma Rousseff, em entrevista concedida ao Valor, foi tardio.
Pode-se questionar se, apenas com base nos números da economia brasileira, o rebaixamento seria justificado. A S&P prevê aumento de 11 pontos percentuais na dívida bruta em dois anos, que chegaria a 70% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016. Mas o avanço perderia força em 2017 (a dívida iria para 72,2% do PIB) e a dívida bruta cairia já a partir de 2018 (para 71,3% do PIB).
Sem ignorar os desacertos fiscais de anos recentes e a trajetória preocupante de alta do gasto público, deve-se reconhecer que parte dos problemas atuais derivam do fraco crescimento cíclico da economia, causado pela queda da confiança, pelo escândalo da Lava-Jato e por medidas de correção de desequilíbrios, como a desvalorização cambial, o aperto monetário, o aumento de tarifas e o próprio ajuste fiscal.
Um governo com um grau mínimo de credibilidade poderia traçar uma estratégia gradual de ajuste. Como, aliás, foi anunciado em fins de 2014 pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com o compromisso de um superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 e de não menos de 2% do PIB a partir de 2017.
A credibilidade que Levy emprestou ao governo, porém, foi consumida rapidamente. Em 28 de julho, a S&P colocou a dívida soberana sob perspectiva negativa. Na semana anterior, a taxa de câmbio, o risco Brasil e os juros dos títulos do Tesouro Nacional já haviam subido depois que o ministro da Fazenda foi derrotado nas discussões do governo que levaram à redução das metas de superávit primário de 2015 e de 2016.
Embora o quadro já fosse amplamente desfavorável, a S&P deu uma espécie de voto de confiança ao governo, evitando promover já naquele momento o rebaixamento da nota brasileira. Nas semanas seguintes, as conversas entre a agência e o governo brasileiro sobre a deterioração nas contas públicas se intensificaram. E a decisão do Palácio do Planalto, de enviar um Orçamento deficitário ao Congresso, piorou o cenário para o Brasil.
A proposta, que contempla um déficit primário de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, foi mais uma derrota de Levy nas discussões internas e uma vitória dos ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Um dia depois, Barbosa concedeu entrevista ao Valor defendendo a tese de que o reequilíbrio fiscal exige crescimento.
"A proposta orçamentária de 2016 incorporou outra revisão nas metas fiscais num período curto de tempo", declarou a S&P na nota que comunicou o rebaixamento do Brasil. "Essa série de eventos que levaram à proposta orçamentária nos sugere reduzida coesão dentro do ministério da presidente Dilma Rousseff e contribui para nossa avaliação de um perfil de crédito mais fraco".
A presidente demorou a reagir à deterioração, na percepção dos mercados, sobre a política fiscal. Primeiro, declarou apoio ao ministro da Fazenda, negando que ele estivesse demissionário, mas deixou de se comprometer com o superávit primário de 0,7% do PIB que ele defendia. Só o fez na semana passada, em entrevista ao Valor, poucas horas antes de a S&P comunicar o rebaixamento do país.
Ninguém deve se iludir com o fato de que, após o rebaixamento, as cotações do dólar, juros e ações tenham sofrido impacto limitado - o mercado já havia antecipado nos preços esse desfecho. A perda do grau de investimento agora vai chegar a economia real de forma dolorosa. Significará menor disponibilidade de financiamento externo para o Brasil, menor taxa de investimento, queda no consumo interno e mais desemprego.
As agências Fitch e Moody's ainda mantém uma generosa paciência com o Brasil. A S&P colocou a nota brasileira sob perspectiva negativa e vê risco superior a um terço de nova baixa. Depois de declarar compromisso com a meta de superávit, cabe ao governo Dilma a execução de medidas para atingí-la, sobretudo de contenção do gasto público.
Não há mais espaço nem tempo para recuos.
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