Paulo Celso Pereira - O Globo
Primeiro, foi um aparente ato falho: “É preciso que alguém possa, tenha capacidade de reunificar a todos, de unir a todos”, disse o vice Michel Temer há quatro semanas. Depois, veio a entrega do posto de articulador político, após sentirse sabotado por Aloizio Mercadante ( Casa Civil). Nos últimos dias, Temer então começou a aparecer como presidente do PMDB em cadeia nacional ressaltando de forma categórica que “O Brasil é um só e sempre vai ser maior e mais importante do que qualquer governo. Esta é a verdade”. Na quinta-feira, o passo final: “Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo”.
Se quando Temer exibiase fiel à presidente Dilma Rousseff, a incerteza já tomava conta do país, agora que o vice se afastou dela, o futuro do governo se torna insondável. A tendência é que o núcleo mais próximo da presidente, todo ligado ao PT, se concentre ainda mais na articulação política direta com parlamentares. Ainda que impopular e com o caixa em pandarecos, a União tem poder de fogo inigualável: cargos, verbas para emendas, influência junto a governadores, apenas para citar alguns objetos de desejo dos políticos.
Nas últimas semanas, a própria presidente assumiu a dianteira das negociações e conseguiu amansar importantes líderes da base, a começar pelo do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani. Os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, que conduzem a pauta legislativa, também foram recebidos por Dilma e asseguraram uma rara semana sem grandes sustos no Congresso. Foi um alento para o Planalto, ainda que o núcleo próximo à presidente saiba que os humores de ambos flutuam de acordo com as investigações contra eles na Operação Lava-Jato.
Em paralelo, à medida que o tempo passa, avançam — lentamente, é verdade — as investigações envolvendo as contas eleitorais de Dilma, que colocam seu mandato em risco no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Se as “pedaladas fiscais” mais parecem problemas de gestão do que crimes, o mesmo não se pode dizer das denúncias de que a corrupção na Petrobras serviu para financiar a campanha à reeleição.
Enquanto os que defendem o impeachment precisarão convencer o cidadão de que os bancos públicos não deveriam ter pago o Bolsa-Família, seguro-desemprego e abono salarial durante alguns meses porque o Tesouro não tinha enviado os recursos, os que querem vê-la cassada no TSE navegam na tese, bem mais simples, de que uma campanha eleitoral não pode ser financiada com dinheiro desviado de uma empresa pública.
Sabedores de que a incerteza é um dos piores ingredientes para a economia, alguns dos maiores empresários do país trabalham para garantir suporte ao governo, contando que a presença de Joaquim Levy, cada vez mais incerta, evite que a confiança dos investidores e agências de risco seja jogada no chão.
Em seu primeiro mandato, Dilma deixou o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, no posto apesar das persistentes críticas do mercado financeiro e de analistas. A razão era simples: Mantega apenas executava a política “desenvolvimentista” de Dilma — que levou o país ao mais baixo crescimento econômico desde o governo Fernando Collor. Agora, a situação dela é diametralmente oposta: Dilma não acredita na política de Levy, um liberal de Chicago, mas o mantém exatamente porque o “mercado” exige. Em meio às nuvens da dupla crise, Levy ainda é visto como o último farol indicando o caminho para o país atravessar as tormentas.
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