sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Disputa inglória – Editorial / Folha de S. Paulo

Denunciado pela Procuradoria-Geral da República, confrontado com evidências de envolvimento no escândalo de corrupção da Petrobras e prestes a ter sua conduta analisada pelo Conselho de Ética da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) já deveria ter reconhecido que não pode mais continuar no comando da Casa.

Ele, no entanto, resiste. E conta, para isso, com a indecorosa ajuda de figuras de destaque no PT, no PMDB, no PSDB e no DEM, que não veem problemas em paparicar o presidente da Câmara em nome do mais deslavado oportunismo.

É que Cunha, como se sabe, por força do cargo, tem o poder legal de abrir processos de impeachment contra a presidente da República. Na cabeça de governistas e membros da oposição, para tirar Dilma Rousseff (PT) do poder, ou no intuito de evitar que isso aconteça, vale tudo –inclusive abandonar o que lhes resta de escrúpulos.

Tome-se a cena registrada na quarta-feira (21), quando oposicionistas e líderes de movimentos de rua anti-Dilma entregaram a Cunha novo pedido de afastamento da presidente. Não houve, nos discursos que fizeram, nem mesmo uma simples menção às acusações existentes contra o peemedebista.

Os arautos do impeachment parecem não perceber que, conduzida sem pudores, a própria causa que defendem se debilita.

A desfaçatez, porém, não é menor no lado do governo. Petistas e peemedebistas, temendo uma reação atrabiliária do presidente da Câmara, calçam luvas de pelica e evitam melindrá-lo.

Consta que, além disso, um acordo sórdido avança por baixo dos panos: Cunha se encarregaria de barrar investidas contra Dilma, ao passo que articuladores do Planalto protegeriam o peemedebista diante do Conselho de Ética.

Talvez por esse motivo, Cunha afirmou nesta quinta-feira (22) que a mera ocorrência de manobras contábeis para fechar as contas do governo –um dos argumentos que embasam pedidos de impeachment de Dilma– não basta para abrir processo contra a presidente.

Não se descarta, naturalmente, que o ardiloso deputado tenha feito outro cálculo. Sua declaração mantém um clima de incerteza em torno do assunto e justifica o adiamento de sua deliberação. Ele sabe que, nas atuais circunstâncias, o único escudo de que dispõe é a possibilidade de tomar uma decisão, e não a decisão em si.

Eduardo Cunha sabe que, enquanto não anunciar uma conclusão, contará com a cumplicidade do governo e da oposição –que se igualam ao não demonstrar a menor preocupação com os muitos efeitos colaterais dessa inglória disputa pelo poder.

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