Por Vandson Lima, Raphael Di Cunto e Bruno Peres - Valor Econômico
BRASÍLIA - As eleições municipais de 2016 podem cair em um limbo jurídico em relação à possibilidade de empresas doarem recursos às campanhas políticas.
O embate entre os presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em torno dos vetos presidenciais, cuja votação foi mais uma vez adiada, deve impedir que questões pendentes sobre o financiamento que se encontram no Congresso Nacional sejam resolvidas antes do dia 2 de outubro, prazo imposto pela anualidade da lei eleitoral.
Nem mesmo a interferência do vice-presidente Michel Temer, que comanda o PMDB de Renan e Cunha e foi acionado pela oposição para tentar um acordo, conseguiu levá-los a uma solução.
Através de Cunha, deputados haviam pedido que Renan incluísse na pauta do Congresso o veto da presidente Dilma Rousseff a dispositivos que regulariam o financiamento privado - a decisão da presidente, por sua vez, foi tomada com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que há duas semanas considerou inconstitucional a doação de empresas a campanhas. A intenção dos deputados era derrubar o veto em plenário a tempo de valer para a próxima eleição.
Outra possibilidade, esta estimulada por Temer em reunião com deputados oposicionistas, era fazer o Senado votar rapidamente uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), já aprovada na Câmara, de caráter semelhante, incluindo na Constituição a autorização para que empresas doem para campanhas eleitorais.
Estimulado por senadores, que viram na ação de Cunha e aliados uma tentativa de usar o Senado como "boneco de ventríloquo" para contestar a decisão do Supremo, Renan rechaçou ambas as possibilidades.
Em retaliação, Cunha manteve o plenário ocupado, impedindo que o Congresso se reunisse e votasse os vetos, entre eles o do reajuste do Judiciário, de grande impacto para o caixa do governo.
Nova sessão foi agendada para terça-feira, quando, para Cunha, todo o acordo já não fará mais sentido - o prazo para que mudanças na legislação tenham validade na eleição de 2016 acaba na sexta-feira. "[A obstrução] foi o gesto político dos líderes da Câmara, que não queriam fazer a sessão sem o veto do financiamento e do voto impresso. Agora tanto faz votar na terça ou em 30 dias". Ele negou que a votação fosse um "capricho", como acusou Renan.
Segundo três participantes, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) era um dos mais indignados na reunião do Senado, defendendo veementemente que Renan não cedesse à "chantagem" do presidente da Câmara. "Cunha passou de todos os limites", asseverou um aliado de Renan, avaliação que ganhou a concordância dos outros senadores.
Os dois caminhos propostos pelos deputados foram considerados inadequados pelos senadores, pois obrigariam Renan a burlar os prazos regimentais.
Recém-filiado à Rede, o senador Randolfe Rodrigues (AP) resumiu a postura da Casa ao dizer que, depois de ceder a Cunha em vários temas, o Senado resolveu não fazê-lo novamente "para não correr o risco de virar o sequestrado apaixonado pelo sequestrador".
Na conversa com a oposição, Temer pontuou que a aprovação da PEC seria mais adequada do que derrubar o veto de Dilma. O vice-presidente negou que esteja trabalhando pela aprovação da PEC e disse que apenas foi consultado sobre o aspecto constitucional. "Eu propus que se tentasse aprovar a emenda constitucional que está no Senado, que resolve, penso eu, a matéria referente a financiamento de campanha e acaba contornando a própria declaração, muito adequada, que o Supremo fez", disse o vice após reunião no Palácio do Planalto.
No entendimento da oposição, a PEC incluiria na Constituição a autorização para que empresas doem para campanhas e, assim, levaria o STF a se debruçar novamente sobre o tema.
Havia sido acertado ainda que os partidos de oposição e o PMDB - do qual Temer é presidente - assinariam embargos de declaração ao julgamento do STF para esclarecer a decisão de não impor limites às doações de pessoas físicas, principalmente o financiamento com recursos próprios, que poderia desbalancear a disputa. O recurso adiaria a aplicação do julgamento e daria tempo para articular a manutenção do financiamento privado. Toda esta costura foi frustrada pela posição contrária do Senado.
Ministro do STF, Gilmar Mendes, que esteve com Cunha e Renan mais cedo, considerou correto o veto de Dilma. "O veto é normal no contexto do julgamento do Supremo. Não havia o que fazer, a assessoria [do governo] só poderia chegar a essa conclusão".
Mendes afirmou que o país está "metido numa grande confusão" por causa da proibição às doações e que é incerto o que ocorrerá se o Congresso derrubar o veto de Dilma ou aprovar a PEC. "Vamos ter que discutir a PEC no Supremo".
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