• O que está em jogo no Brasil de hoje é a reconstrução literal e completa do Estado brasileiro e sua verdadeira inserção no século XXI
- O Globo
Todas as guerras, desde as mais remotas, têm suas raízes em disputas econômicas. Inclusive a Guerra Fria. Também as revoluções, ainda que tendo o pavio político e social a conduzi- las, têm como combustível e se fundam em razões econômicas. Não tivesse sido Marx, por exemplo, antes de tudo, um economista. Daí a importância da diplomacia e de governos que a prestigiem com os indispensáveis conhecimentos em comércio exterior e economia política de seus condutores. A economia política é, nesse sentido, a grande ciência do futuro. Separar a economia da política nas ciências sociais é um reducionismo primário. A ciência política e a econômica são irmãs sociológicas siamesas.
O reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba depois de mais de meio século de isolamento e a recente advertência de Mikhail Gorbachev nas comemorações da queda do Muro de Berlim quanto à volta da Guerra Fria, no entanto, parecem estar sendo avaliadas mais por seu viés político e factual. As raízes, porém, são econômicas. Quando ele mesmo, Gorbachev, presidiu, na antiga URSS, às transformações decisivas que acabaram por dar fim ao socialismo real e à Cortina de Ferro, não o fez apenas com a perestroika. Embora tivesse passado ao Ocidente como arejamento libertário, a glasnost foi o elemento autocrítico decisivo para discutir a pétrea economia estatal soviética e sua desmontagem do aparelhamento do Estado, representado, em sua essência, pelos apparatchik, a calcificada burocracia estatal soviética. A caducidade dessa economia estatizada e seu isolamento num mundo que se globalizava a passos largos, empobrecendo crescentemente os países do bloco soviético, capitaneados pela Rússia, foi certamente a pedra de toque da perestroika, que, literalmente, significa reconstrução. Sem a desmontagem do aparato econômico do gigantesco estamento tecnoburocrático que dirigia a URSS, nada poderia ter sido feito, a perestroika teria sido em vão e a Guerra Fria poderia ter levado nosso planeta à destruição total.
A advertência de Gorbachev, em que pese ter sido feita de maneira global, cai como luva para a atual situação da economia política brasileira. Assim também o reatamento das relações dos EUA com Cuba. Não apenas os escândalos da Petrobras, mas toda a imensa sucessão de assaltos ao Estado desde sempre tem tido origem nessa tecnoburocracia que controla, com seus longos tentáculos, nossa economia altamente estatizada, hoje tangida com mão de ferro pelos burocratas do PT. Sua desmontagem, portanto, não é apenas um problema político. É eminentemente um problema econômico. Como destravar a economia brasileira e entregá- la, liberta desses tentáculos, aos verdadeiros agentes do progresso, do crescimento e do desenvolvimento sustentáveis, abafada que se encontra hoje por esse onipresente aparato tecnoburocrático que se apropriou do Estado brasileiro, dominando- o e o infestando completamente? Em artigo no GLOBO, por exemplo, o economista David Zylbersztajn chamava a atenção para o fato de que as políticas do pré- sal estão sendo conduzidas na contramão do entendimento da nova economia mundial e que o uso de combustível fóssil não chegará ao final deste século, segundo o contundente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas ( IPCC) da ONU. Conclui que toda a estratégia energética petista atual se funda em matriz e conceitos do século passado.
Se os brasileiros não se unirem corajosa e consistentemente para tentar reverter com vigor esse quadro e promover a nossa própria perestroika, certamente o futuro será muito pior do que se imagina. O que está em jogo no Brasil de hoje é a reconstrução literal e completa do Estado brasileiro e sua verdadeira inserção no século XXI. Ou continuamos com o gigantismo estatal sufocante na economia e com o bolivarianismo retrógrado na política, representados por essa visão atrasada de luta de classes, ou partimos para um Estado moderno, leve, fiscalizador, vigoroso e pouco intervencionista, antídoto do populismo, do clientelismo, do paternalismo das “bolsas” e das esmolas públicas, antônimos da criatividade, do empreendedorismo e da verdadeira independência econômica.
Necessitamos, isto sim, de um Estado probo e ágil, inserido na economia global que prestigie a ação diplomática nos organismos internacionais e nos grandes fóruns multilaterais. Estes são os verdadeiros agentes a retirar- nos da pobreza endêmica.
Antes da perestroika de Gorbachov, o Brasil era a segunda economia mundial mais estatizada. Só perdia mesmo para a falecida URSS. Hoje deve ser, seguramente, a mais estatizada de todas. Toda a política habitacional aqui depende da CEF; todo o desenvolvimento do campo, do BB; e boa parte do desenvolvimento industrial e comercial, do BNDES, para seus apaniguados, inclusive empresas estatais como a Petrobras. A energia, agrilhoada nas mãos corrompidas desta e da Eletrobrás, inclusive a nuclear. Todo esse conjunto completamente dominado pelos apparatchik da burocracia companheira e seus “tesoureiros” conluiados com “empreiteiras” amigas.
O PT já chamou sua militância “às armas” para lutar por sua visão de mundo do século passado e até aprofundá- la na manutenção desse descalabro. Fez “o diabo" para não perder esta eleição. Continua mentindo à nação desavergonhadamente. O que fará acuado pela Justiça é uma incógnita. A única previsão possível é de que a História estará andando em marcha a ré no Brasil nos próximos três anos.
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Nelson Paes Leme é cientista político
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