quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Um alerta sobre o elevado endividamento de empresas – Editorial / Valor Econômico

O Fundo Monetário Internacional voltou a repisar o alerta: os países emergentes devem se preparar para o risco de falências das empresas muito endividadas em dólar, em um momento de instabilidade em alta. Ao longo de dez anos, a dívida desses países quadruplicou, passando de US$ 4 trilhões em 2004 para US$ 18 trilhões no ano passado, um aumento que se acelerou após 2009, com a enorme liquidez despejada nos mercados pelo afrouxamento monetário do Federal Reserve e, depois, pelo Banco Central Europeu e Banco do Japão. As empresas, por seu lado, trocaram uma parte de seu endividamento, deslocando-a dos empréstimos para títulos da dívida. Com isso, a fatia da dívida em bônus nos débitos totais deu um salto de 9% para 17% no período. Agora a liquidez em alguns mercados está diminuindo para os emergentes, adverte o Fundo, e pode, em um ambiente incerto como o atual, quando o Fed prepara-se para elevar os juros, simplesmente "evaporar".

A facilidade em tomar empréstimo a taxas de juros baixas aumentou a alavancagem das empresas, que passam a correr riscos maiores quando os juros voltarem a subir e a liquidez se estreitar. Empresas de países emergentes, como o Brasil, cessaram a captação de bônus aos primeiros sinais da desvalorização cambial. A perda do grau de investimento colocou um obstáculo adicional às emissões, ampliando a cautela de investidores já ariscos, enquanto que o custo do crédito subiu junto com os preços do seguro contra calote, particularmente agudo no caso do Brasil.

A desaceleração dos países emergentes, após um período de grande expansão do crédito externo e, em vários países importantes, também do crédito doméstico - conjunção que, segundo o FMI, esteve presente em todas as crises recentes - esmaeceu o brilho que tinham aos olhos de investidores em busca de maiores retornos.

Um dos efeitos foi que endividar-se ficou bem mais caro - na verdade mais caro até que no período do "taper tantrum", quando o Fed insinuou que encerraria o período de estímulos monetários adicionais e as turbulências tomaram conta dos mercados. Os bônus de empresas emergentes então mal chegaram a pagar 6,5% e agora, pelo EMBI Global do JP Morgan, o custo médio atingiu 6,65%.

Um segundo efeito foi que com o aumento do risco e a baixa performance econômica, principalmente da China e do Brasil, os investidores começaram a retirar dinheiro de suas aplicações. Segundo o Institute of Internacional Finance (IIF), que reúne os grandes bancos internacionais, o terceiro trimestre do ano marcou a maior saída de capitais dos emergentes desde a crise de 2008. Foram US$ 40 bilhões (ante US$ 100 bilhões em 2008), divididos entre US$ 21 bilhões em bônus e US$ 19 bilhões em ações.

O ímpeto de valorização do dólar trouxe um problema adicional para as empresas com dívidas importantes em moeda forte. No caso do Brasil, a desvalorização do real foi exagerada e em grande parte impulsionada por fatores domésticos: da relutância em realizar um ajuste fiscal à crise política que ameaça pôr fim ao governo da presidente Dilma. Embora o país tenha reservas confortáveis e o grosso do endividamento seja de longo prazo, a disparada do dólar elevou a alavancagem das companhias para muito além da zona de conforto.

Segundo a empresa de rating Fitch, a alavancagem média das empresas brasileiras deverá encerrar o ano em 4,5 vezes, medida pela razão entre dívida líquida e o resultado antes do Ebitda (Valor, 26 de setembro), quando um índice de 3 é considerado prudente por analistas e investidores. Em junho de 2014, era de 2,4 vezes. Estimativas do Bank of America Merrill Lynch são mais preocupantes, ao indicar alavancagem de 5, pouco acima do nível de 2002, quando Lula se elegeu presidente.

A fatia que corre mais riscos financeiros é formada pelas empresas que possuem débitos em dólar, não fizeram hedge, nem são exportadoras. Esse conjunto, considerado bastante limitado pelo Banco Central, detinha em junho de 2014, 16,8% do total das dívidas, envolvendo uma exposição de 2,9% do PIB.

A situação econômica doméstica de lá para cá piorou muito e novas e prolongadas valorizações do dólar alargarão ainda mais as despesas, enquanto as receitas caem em um ambiente recessivo. Há dificuldades à vista. Até há pouco, os avisos da escalada dos riscos do endividamento das empresas feitos pelo FMI e BIS não chamaram muita atenção no Brasil. Agora acenderam o sinal de alerta.

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