O governo não consegue se entender com seus aliados e essa tem sido uma fonte inesgotável de problemas, mais do que a ação da oposição. Depois de obter uma vitória relativa contra o impeachment com decisões liminares do Supremo Tribunal Federal e ver seu principal adversário na Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afundar sob o peso de provas contundentes de que possui dinheiro não declarado em contas na Suíça, tinha tudo para aproveitar a trégua e colocar ordem em casa. Engano: partiu do PT uma nova onda de pressões para desalojar do governo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. À insatisfação crônica do PT com a política de Levy acrescentam-se agora reclamações públicas do ex-presidente Lula. Mais enfática do que em situações semelhantes no passado, a presidente Dilma Rousseff aparou as estocadas contra Levy, dizendo em Estocolmo que ele permanece no cargo e lá ficará porque concorda com a política econômica traçada. E fez uma distinção clara: a opinião do PT sobre o destino do ministro é do partido, "não a opinião do governo".
Como já ocorreu durante a votação das medidas de ajuste fiscal, nem mesmo no PT o governo encontrou apoio total e chegou a ver a legenda aderir a pautas-bomba, ao sufragar o fim do fator previdenciário. Agora, em que uma desabusada oferta de cargos busca recompor a aliança governista, o PT deveria fazer menos marolas para que um governo seu, que mal para em pé e corre riscos de todos os lados, ganhe algum fôlego e possa recobrar a iniciativa.
Grande parte do PT vê Levy como o tucano "infiltrado" no governo e critica suas posições ortodoxas, que seriam as da oposição derrotada nas urnas. Os petistas que o atacam querem mudar a política econômica e têm como política alternativa a mesma que levou o país ao atual desastre econômico. O presidente do partido, Rui Falcão, por exemplo, acha que é hora de liberar mais crédito para o consumo e investimentos e baixar as taxas de juros (Folha de S. Paulo, 18 de outubro). Foi o que a presidente Dilma, até certo ponto, fez com gosto em seu primeiro mandato, com os resultados que se vê.
O PT acredita que o aperto fiscal e monetário só agravam os problemas de uma economia em desaceleração. Isto é, não o recomendam em nenhuma situação, pois quando o ciclo é de expansão ele é desnecessário. Após 10 anos ininterruptos de crescimento do emprego e dos salários, enxergam na falta de demanda a fonte dos males presentes, que não seria combatida apropriadamente com juros altos e contenção dos gastos públicos. E parecem crer que bastará repetir à exaustão a fórmula anticíclica que deu certo em 2008 que as coisas se resolverão. Mais ainda, atribuem ao ajuste a recessão, quando ela começou bem antes, no início de 2014, exatamente pelos efeitos cada vez menores de doses exageradas de estímulos, que frearam o crescimento, jogaram a inflação para cima e aumentaram brutalmente o endividamento público.
O ajuste fiscal é o ponto de partida para a recuperação da economia em bases sólidas. A agenda óbvia de Levy contempla o crescimento. A insistência monocórdica no corte de gastos, que irrita os petistas, ocorre porque os ajustes não foram realizados a contento e há muita gente que não compreende sua necessidade ou duvide de sua eficácia, no Congresso e no próprio governo. Com a descoordenação política e a baixa popularidade da presidente, não é possível ao ministro atacar vários problemas e distintas agendas ao mesmo tempo, porque um dos resultados da perda de força política do governo é que sem base sólida no Congresso só se é possível vencer (ou perder) uma batalha de cada vez.
O ex-presidente Lula toca um estranho acorde ao bombardear Levy e propor substitutos como Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central. Meirelles não teria uma política substantivamente diferente da atual. Em sua gestão no BC dirigiu uma equipe de "falcões" e achar que ele hoje julgaria adequado baixar juros chega a ser engraçado.
O PT está subestimando os efeitos de uma saída de Levy. Se ela vier acompanhada de mudança de política na direção que o partido gostaria, uma nova onda de instabilidade tomará a economia, aprofundando uma recessão que já é maior em 25 anos. Quando chegou à presidência, Lula não brincou em serviço e obteve superávits primários de fazer inveja a qualquer tucano. Sua experiência bem-sucedida deveria lhe dizer alguma coisa.
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