• Ninguém sabe como Dilma digeriu reforma ministerial
- Valor Econômico
Passados 18 dias da reforma ministerial, duas coisas não estão suficientemente claras para os aliados do governo: ninguém sabe como a presidente Dilma Rousseff digeriu o avanço do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre as principais posições do Palácio do Planalto, o que deixou dúvidas sobre quem está efetivamente no comando, assim como não se tem certeza nenhuma se as mudanças na equipe terão resultados concretos no painéis de votações do Congresso.
Lula queria e conseguiu tirar o ministro Aloizio Mercadante da Casa Civil e trocá-lo por Jaques Wagner, que estava na Defesa. O ex-presidente queria também trocar Joaquim Levy (Fazenda) por Henrique Meirelles. Chegou a sondar o ex-presidente do Banco Central de seu governo, mas as tratativas que manteve com Dilma para a reforma se encerraram com o ministro Levy no cargo, até segunda ordem, segundo se disse então, talvez março de 2016.
Em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo", no fim de semana, o presidente do PT, Rui Falcão, externou o que se dizia nos bastidores, há 18 dias, após as tratativas de Lula com Dilma sobre a reforma: "Levy deve sair, se não quiser mudar a economia", disse. Falcão falou para o público interno, PT e CUT. A presidente reagiu dizendo que a opinião do PT não era a opinião do governo, parecia um carão mas é plausível dizer que havia uma combinação tácita nas duas manifestações.
Na sexta-feira, Falcão se preparava para pegar um voo de carreira, quando foi convidado a viajar junto com Lula de Brasília para São Paulo. O ex-presidente fora à capital prestar esclarecimento ao Ministério Público Federal sobre seu suposto envolvimento em práticas de tráfico de influência. As posições de Falcão, do PT e de Lula sobre a economia são públicas. Eles atacam a política de Levy, mas não estão prontos para sua saída.
Falcão é um político frio e quando fala é movido por cálculo. O presidente do PT sabe que não há como tirar Levy da Fazenda sem comprometer o formidável esforço que o governo está fazendo para conseguir alguma tranquilidade política no Congresso, seja para barrar o impeachment ou tentar aprovar medidas que ajudem a restaurar a confiança no governo. Entende-se que para acertar a economia é preciso antes acertar a política, sem a qual o governo não aprovará as propostas de seu interesse.
Combinado ou não, o fogo amigo gera instabilidade. Além de Lula e do PT, há uma certa disputa, atualmente, entre o Ministério do Planejamento, comandado por Nelson Barbosa, e a Fazenda, que nem é só por ideologia ou necessariamente por visões diferentes, mas luta de poder pelo poder. O Planejamento também não esconde a nostalgia dos tempos em que o Banco Central (BC) não tinha o status de ministério, apesar de ter autonomia operacional.
O quadro é confuso, de acordo com os líderes que o vivenciam, e todos especulam sobre como a presidente Dilma assimilou as mudanças ditadas por Lula. A fala de Rui Falcão permitiu à presidente uma resposta de quem está no comando. Sem nenhum estresse no PT, com Falcão e mesmo com Lula. Mas nem tudo é calmaria na implementação da reforma. Aloizio Mercadante (Educação) deixou a Casa Civil, como Lula queria, mas Wagner não está conseguindo mudar todos os assessores que gostaria de trocar e que foram deixados pelo antigo ministro.
Há também dúvidas se o governo Dilma agora tem um chefe da Casa Civil com amplos poderes: Wagner e Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) aparentemente dividiram os encargos. O primeiro trata com os senadores, enquanto Berzoini cuida da Câmara dos Deputados. Pelo menos está sendo assim, até agora. É a percepção do Congresso. A desculpa para Wagner ainda não ter mudado os assessores da Casa Civil é que sua atenção está integralmente voltada para a questão do impeachment.
A agenda no Congresso está emperrada. A presidente conseguiu um certo fôlego nos vetos, mas a situação é ambígua: ela gostaria de votar e manter o que vetou nas medidas do ajustes, a fim de dar uma demonstração aos mercados de que retomou o controle da política. Já os aliados não submetem o veto ao aumento de até 78% dos servidores do Judiciário porque perceberam o risco real de uma derrota.
O Congresso já manteve o veto presidencial ao fim do fator previdenciário. Faltam os vetos ao aumento dos servidores do Judiciário e ao reajuste dos benefícios sociais pelo aumento do salário mínimo. Esse reajuste não teria impacto para as contas públicas nos próximos dois anos, mas a equação é bem mais complexa, porque benefícios como o BPC (prestação continua) também seriam ajustados.
Concentrado na empreitada de evitar o impeachment, o governo não cuidou com a devida presteza da prorrogação da DRU. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, já deu seu veredito. Disse que não há mais tempo para aprovar o projeto este ano. O governo julga ainda ter uma carta na manga: começar a tramitação pelo Senado, onde parece em melhor situação.
Resta a CPMF, considerada imprescindível pelo ministro Levy, mas que o relator do Orçamento deve retirar do projeto como previsão de receita. Os aliados que cuidam dos votos do governo no Congresso não têm dúvida: hoje não há ambiente para a reedição do antigo imposto do cheque. Além disso, o ministro Levy mistura os canais quando afirma que a falta da CPMF pode comprometer o seguro desemprego e o abono salarial.
A pauta do impeachment está em banho-maria, mas isso não quer dizer que o governo é senhor da situação. O alívio do Planalto, no momento, deve-se muito mais ao enfraquecimento da posição do deputado Eduardo Cunha. Os conselheiros da presidente Dilma avaliam que ele perdeu credibilidade para avançar com o processo de impeachment. Pode ser. Mais certo é dizer que o presidente da Câmara perdeu autoridade para avançar com suas pautas-bomba, pois deve ser mais cauteloso, à medida que precisa concentrar energia nas articulações a fim de evitar a perda de seu mandato.
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