- O Globo
A imagem da deputada tucana Mara Gabrilli esforçando-se para ficar em pé na sua cadeira de rodas para encarar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e mandá-lo “levantar dessa cadeira” ficará marcada como representativa do início do fim da carreira política de Cunha. Assim como o discurso do então deputado Fernando Gabeira contra o presidente Severino Cavalcanti, uma espécie de Cunha do baixo clero, definiu a sua queda tempos depois.
Após a manobra vergonhosa que tentou para impedir a Comissão de Ética de votar o parecer sobre a aceitação do processo contra ele, Cunha apenas confirmou que não tem condições de manter o mandato, quanto mais a presidência da Câmara.
A deputada Eliziane Gama (Rede-MA), membro suplente no Conselho de Ética, vai fazer uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo o afastamento do presidente da Câmara, alegando que Cunha usa o cargo para obstruir o processo por quebra de decoro parlamentar.
Além de manobras para dificultar a tramitação do processo na Comissão de Ética, o (ainda) presidente da Câmara é acusado de usar recursos da Mesa Diretora para sua defesa pessoal. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, provavelmente vai voltar a cogitar pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão de Eduardo Cunha de suas funções de presidente da Câmara dos Deputados. A oposição — PPS, DEM e PSDB — também entrará no STF contra Cunha.
Com base no artigo 319, inciso VI, no capítulo V do Código de Processo Penal, que trata “das outras medidas cautelares”, assim redigido: “São medidas cautelares diversas da prisão: VI - Suspensão do exercício de função pública ou de atividade econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”.
Quem duvida que ele, do alto de seu cargo, poderá ameaçar testemunhas? Há fortes suspeitas de que, por interposta pessoa, teria mostrado os dentes para o doleiro Alberto Youssef. Agora mesmo o relator de seu processo na Comissão de Ética denunciou que recebeu ameaças e pediu proteção para sua família. A medida cautelar independe do recebimento da denúncia.
A desassombrada atuação de Cunha, cada vez mais sem controles, à frente da presidência da Câmara, utilizando abertamente a chantagem política para se manter vivo, desmoraliza mais ainda a Câmara e transforma os deputados que não reagirem em figuras decorativas de uma pantomima.
Com sua imagem corroída pelos fatos, Cunha já não tem nem mesmo a carta do impeachment para jogar na mesa, pois o que sair de uma decisão tomada como salvavidas pessoal ou vingança não terá vigor político para se tornar realidade.
Nem mesmo a oposição, se tiver juízo, aceitará esse jogo sujo, que coloca sob suspeição até decisões corretas do ponto de vista legal. Qualquer decisão tomada por Cunha já nasce ilegítima, pois é ilegítima sua permanência na presidência da Câmara.
A vergonhosa série de arbitrariedades que coordena, e a política baixa de distribuir favores em troca de apoio, marcas registradas da atuação política de Cunha, definem de maneira indelével essa fase da política nacional. Só com a saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmara será possível pensar-se em recuperar a respeitabilidade do jogo político-partidário em curso no país.
Mesmo assim, sua saída é condição indispensável, mas não suficiente para essa retomada. Há muitos outros Cunhas na cadeia (?) de comando da política brasileira, a começar pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, que se beneficia do estardalhaço promovido pelo (ainda) presidente da Câmara para ficar esquecido, enquanto correm diversos processos contra ele.
Um país em que a presidente e o vice precisam se revezar em viagens internacionais para não permitir que o presidente da Câmara assuma a presidência da República não está em boa situação moral, não é mesmo?
Aliás, é a cadeia (?) sucessória uma das dificuldades para viabilizar politicamente o impeachment da presidente Dilma.
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