- O Globo
Trava-se neste final de ano interessante embate entre a realidade e a mistificação, entre o discurso e a prática, em que o populismo político revela-se na sua plenitude. Há diversos exemplos pelo país, como a aposta no “bilhete premiado” do petróleo do pré-sal que, assim como o governo federal, pegou o grupo político que governa o Rio de Janeiro há quase dez anos de calças-curtas.
Da mesma forma que ocorreu no país, montou-se no Rio um pretenso esquema de proteção social que não resiste à realidade da crise financeira. A saúde pública, que serviu de modelo para propaganda eleitoral, hoje está falida; as UPAs estão fechadas na maior parte e os hospitais não têm condições de funcionar.
As UPPs, que pareciam a redenção da política de segurança pública, estão sendo colocadas em xeque não apenas pelos grupos criminosos, mas pelos policiais criminosos que lhe retiram a credibilidade junto à população. E a falta de dinheiro inclui mais um dado negativo nessa equação, colocando em risco instrumentos fundamentais no combate ao crime, como o Disque-Denúncia.
Mas a disputa entre a corporação da Polícia Federal e o Ministério da Justiça, a que está subordinada administrativamente, é a mais exemplar delas, colocando em confronto o discurso político vazio e a eficiência apolítica de uma instituição do Estado, não de um eventual governo.
O orçamento previsto inicialmente para a corporação chegava a R$ 1 bilhão, e o corte de 13% imposto atinge “o coração de atividades, como operações especiais de combate a malfeitos contra o Tesouro”, segundo os delegados, que em carta exigiram do ministro José Eduardo Cardozo “menos discurso e mais ações efetivas do Ministério da Justiça em defesa da Polícia Federal”.
O documento afirma que projetos estratégicos da PF “para a segurança da Nação” já vêm sofrendo processo de desmonte, como o Vant (Veículo Aéreo Não Tripulado) e o Cintepol (Centro Integrado de Inteligência Policial e Análises Estratégicas), “por absoluta falta de recursos”.
Esse duro questionamento contrasta com o discurso oficial, cujo melhor exemplo é do próprio ministro Cardozo, que classificou recentemente de “revolução republicana” as operações da Polícia Federal de combate à corrupção: “(...) uma revolução que fará, para nós, para os nossos filhos e para os nossos netos, um país diferente daquele que nós recebemos.”
Essa “revolução” vem sendo apresentada como obra da decisão política dos governos petistas, que “permitem” que a Polícia Federal e o Ministério Público atuem com independência na apuração dos escândalos de corrupção que proliferam no país. Como se dependesse do governo o bom andamento das investigações, coisa em que acreditam os políticos envolvidos na Operação Lava-Jato.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, está convencido de que é perseguido de acordo com um projeto político do Palácio do Planalto, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, aproximou-se da presidente Dilma depois de ter flertado com a oposição, na crença de que ela tem poderes para controlar a Polícia Federal e, sobretudo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Mas não são apenas os envolvidos nas investigações que acreditam nessa lorota. Também o filósofo Renato Janine Ribeiro, depois de humilhado no cargo de ministro da Educação a ponto de ter ficado nele por apenas cinco meses, também é capaz de dizer coisas como essa: “Ouve-se que nunca houve tanta corrupção quanto hoje e, ao mesmo tempo, que nunca teve tanta gente processada e condenada. Para isso, a Polícia Federal, que é um braço do Executivo, tem sido decisiva. O Executivo, se quisesse, bloqueava a ação da PF. Não bloqueou nem com Lula nem com Dilma. Eles municiaram a PF e hoje se tem maior percepção sobre a corrupção e menor tolerância”.
Ora, se um filósofo como Janine Ribeiro acha que o Executivo pode controlar a PF e não é capaz de distinguir um órgão do Estado de um simples “braço do Executivo”, não é de surpreender que também ele seja capaz de relativizar o cumprimento das leis. Para Janine Ribeiro, o que há contra a presidente Dilma são meras “tecnicalidades” que não justificam um pedido de impeachment.
Burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal para se reeleger gastando o que não há no Orçamento, a ponto de quebrar o país, é uma simples “tecnicalidade” segundo o filósofo. Como convencer o homem comum que são essas “tecnicalidades” que aumentam a inflação, que fazem os juros subirem, que retiram o dinheiro da Saúde e da Educação, que Janine aceitou gerenciar sem planos e, sobretudo, nenhuma possibilidade de fazer qualquer coisa?
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