• Novo ministro estreia com discurso fiscal responsável
- Valor Econômico
No dia em que o Palácio do Planalto anunciou a nomeação de Nelson Barbosa para substituir Joaquim Levy no comando do Ministério da Fazenda, muitos prenunciaram uma reação radical por parte do mercado, a exemplo do que ocorreu recentemente na África do Sul e nos anos 90 na Indonésia. Naqueles países, mudanças abruptas antimercado da política econômica provocaram forte desvalorização das moedas locais e depressão econômica.
No Brasil, a ascensão de Barbosa foi anunciada no fim da tarde de uma sexta-feira. Não houve tempo hábil para o mercado reagir. A expectativa era a pior, uma vez que o novo ministro da Fazenda sempre foi um crítico contundente de políticas como a que seu antecessor vinha tentando adotar.
É importante lembrar que, ao nomear Barbosa, a presidente Dilma Rousseff não teve opção. Para evitar o impeachment, ela trava uma batalha fratricida com um dos expoentes de sua base de apoio no Congresso - o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - e outra, silenciosa, com o vice-presidente Michel Temer. Nessa disputa, necessita do apoio das ruas para diminuir o ímpeto dos dissidentes e da oposição porque, como se sabe, não haverá impedimento se não houver clamor popular.
O apoio das ruas depende da mobilização dos movimentos sociais e da militância do PT. Ambos gostam de Dilma, consideram-na mais progressista que o ex-presidente Lula, mas exigem, em contrapartida ao apoio crucial neste momento, mudanças na política econômica, considerada excessivamente "conservadora". Ambos veem em Barbosa um sinal de mudança.
O que se diz é que a presidente não tem como lutar contra o impeachment governando para as elites e dando as costas a quem lhe garante sustentação política. O raciocínio, evidentemente, é de uma ligeireza atroz, uma vez que foi a política econômica do quadriênio 2011-2014, aclamada pelos movimentos e o PT, que jogou o país em crise profunda.
A atual crise econômica tem nome e sobrenome: Dilma Rousseff. Não é um acidente nem tem motivação externa. É inteiramente brasileira e foi produzida por decisões políticas. A presidente vive um impasse: suas escolhas tendem a aprofundar a crise e ela já não tem condições de dar uma guinada à direita. Joaquim Levy foi sua bala de prata, por isso, demorou tanto tempo para ser substituído.
A nomeação de Nelson Barbosa atendeu, portanto, à lógica política. No cargo de ministro do Planejamento, ele defendeu alternativas, em vários momentos, que contrariavam o que Levy fazia na Fazenda. O ex-ministro começou a cair quando foi decidido o contingenciamento do Orçamento de 2015. Levy pediu corte de pelo menos R$ 70 bilhões, mas Barbosa entregou R$ 69,9 bilhões. O que podia ser lido apenas como um caso típico de mumunhas de Brasília teve, na verdade, grande valor simbólico.
A situação de Levy piorou quando o governo decidiu reduzir a meta de superávit primário, no fim de julho, e se agravou adiante, quando Barbosa enviou ao Congresso proposta orçamentária de 2016 com previsão de déficit primário, um flagrante desrespeito às regras de responsabilidade fiscal.
Paralelamente a esses fatos, Nelson Barbosa deu inúmeras entrevistas, deixando claro que não concordava com o modelo de ajuste adotado por Levy. Nas entrelinhas, indicava que a presidente Dilma, de quem é muito próximo, já tinha decidido mudar o rumo das coisas. Em consequência desse movimento, as expectativas dos agentes econômicos, que vinham melhorando desde o início do ano, entraram novamente em rota de deterioração.
Algumas teses de Barbosa, explicitadas em entrevistas, fizeram os agentes apostar em mudança radical da política: a redução do superávit primário aumenta a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto; o ajuste fiscal só será feito se a economia voltar a se expandir; não há problema na elevação temporária da dívida pública (decorrente de uma redução da meta de superávit); entre outras.
A experiência recente do Brasil mostrou que, sem equilíbrio fiscal, não há crescimento sustentável. O país cresceu de forma razoável entre 2004 e 2011, quando, em geral, as contas estiveram sob controle. Empresários e banqueiros sabem que desequilíbrio fiscal, em última instância, obriga o Banco Central a apertar as condições monetárias, encarecendo o crédito e diminuindo a demanda. Essa percepção afeta negativamente o investimento e, portanto, o emprego.
A ideia de que é preciso voltar a crescer para solucionar o problema fiscal esbarra justamente nessa dificuldade: desconfiados com a deterioração das contas públicas e seus impactos sobre os indicadores macroeconômicos, os empresários não investem e os bancos não emprestam. O primeiro mandato da presidente Dilma é a prova de que estimular a atividade, a qualquer preço, em meio à perda de credibilidade da política econômica, não funciona.
O governo baixou os juros na marra, desvalorizou o câmbio artificialmente e inundou a economia com estímulos fiscais e creditícios. Nada disso animou empresários e consumidores, mas provocou o desastre: a destruição da solidez fiscal do país, representada pela obtenção do grau de investimento junto às agências de classificação de risco.
Mas eis que Barbosa assumiu e não se materializou a sangria esperada nos valores dos ativos. A primeira reação foi negativa, mas nos dias seguintes, mesmo considerando a baixa liquidez do período de festas de fim de ano, o dólar se comportou, a bolsa ficou no zero-a-zero e os juros de longo prazo, depois de esticarem um pouco, voltaram aos patamares anteriores à nomeação do ministro.
O ministro foi inteligente ao conceder fartas entrevistas no fim de semana que antecedeu a sua posse. Ele procurou acalmar os mercados com um discurso fiscal responsável, ainda que sem ousadia. No fundo, mandou o seguinte recado: "Calma, pessoal, neste cargo eu não serei 100% Nelson Barbosa". Foi uma mensagem relevante, uma vez que ele foi, sem sombra de dúvida, o principal ideólogo da Nova Matriz Econômica, que prometeu dar ao país um novo equilíbrio macro, amparado em juros menores e câmbio desvalorizado, mas acabou produzindo uma recessão que já dura quase dois anos e que ainda pode levar a economia para uma depressão.
Um sinal dos dias: o PT já cobra do novo ministro que ele seja 100% Nelson Barbosa. Vida dura.
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