Uma das frases mais intrigantes do primeiro discurso do presidente interino Michel Temer foi sua incisiva intenção de promover um novo pacto federativo. Há um grande e importante ponto de interrogação a respeito das intenções do governo a respeito. Estados e municípios se colocaram perto do centro da crise fiscal: estão perto da falência, obtiveram concessões nas negociações com o governo de Dilma Rousseff e ganharam do Supremo Tribunal Federal um prazo de 60 dias para negociar com a União o cálculo, período no qual pagarão os débitos com a incidência de juros simples.
Equacionar a dívida dos Estados será um dos testes fundamentais da capacidade de Temer de manobrar politicamente e encontrar um caminho apropriado. O espaço de manobra, em um governo que também depende de apoio político, é pequeno e é possível que não se chegue a nenhuma solução de longo prazo. Duras medidas de enxugamento colocarão os Executivos estaduais em má situação diante do teste das urnas, em 2018. O PMDB, partido do presidente interino Michel Temer, tem sete governadores, entre eles, o do Rio de Janeiro.
Em tratativas para elevar o déficit público e mudar a meta fixada pelo governo de Dilma, de R$ 96 bilhões negativos, a equipe de Temer quer incluir perdas possíveis de arrecadação de R$ 10 bilhões relacionadas à disputa judicial com os entes federativos, o que sugere que dois meses não serão suficientes para um acordo. A União deixa de receber R$ 2,5 bilhões mensais com a vigência das liminares que o STF concedeu a vários Estados.
O governo Dilma, exceto quando teve Joaquim Levy à frente da Fazenda, conduziu muito mal as negociações com os Estados. Começou bem, sugerindo a mudança do indexador das dívidas estaduais se os Estados pusessem um fim ao emaranhado fiscal do ICMS, que nutre a guerra fiscal, e rumassem para unificação de alíquotas. A erosão do capital político de Dilma mudou a situação.
O governo acabou trocando o indexador sem que os Estados chegassem a um acordo sobre o ICMS. Aberta a caixa de Pandora, a União teve que engolir abatimento de dívidas com o cálculo retroativo com o novo indexador. Ainda assim, os Estados não se deram por satisfeitos e foram ao STF para mudar a forma de cálculo e nela estabelecer os juros simples, uma esperteza de amplas consequências para os contratos públicos e privados, que os juízes do STF não brecaram de imediato, como deveriam.
Os Estados ampliaram gastos ao mesmo tempo em que sinais de Brasília apontavam para um mergulho no vermelho das contas da União. Já em seus estertores, a equipe econômica de Dilma tentou colocar alguma racionalidade em uma repactuação das dívidas, vetada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Para isso fez mais concessões, postergando por até dois anos os pagamentos correntes para os Estados que assim o quisessem. A contrapartida seria um programa de ajuste para controlar gastos com pessoal, cortar despesas com cargos comissionados, vender ativos etc. Desta vez foi o PT, partido da presidente, que decidiu apoiar o alívio provisório sem que se votassem as contrapartidas dos Estados.
Um estudo do Ministério da Fazenda, divulgado no dia 10, colocou luz sobre as raízes da penúria financeira dos Estados, dando razão a Joaquim Levy quando ele trancou a concessão de créditos sob a alegação de que os recursos não estavam servindo para aumentar investimentos, e sim gastos correntes. No estudo, a Fazenda mostra um salto de 38% acima da inflação nos gastos com pessoal entre 2009 e 2015. Ao conceder aval para os Estados se endividarem, inclusive no mercado externo, o ministro Guido Mantega deu-lhes acesso a R$ 65 bilhões em 2012, com aumento de 38% nos investimentos nesse ano e em 2013. Mas os gastos com pessoal continuaram crescendo a dois dígitos, enquanto que os investimentos caíram 36% em 2014/2015.
Com pressões, os Estados obtiveram alívio da dívida com a União, justamente a que tem juros mais baixos. O serviço de suas dívidas subiu 13,9% em 2015. Com o Tesouro evoluiu 3,2% (R$ 1,1 bilhão), enquanto que com bancos nacionais e estrangeiros o salto foi de 45,8% no período (R$ 5,2 bilhões).
Sem trazer os Estados de volta à disciplina fiscal, a União não colocará as contas públicas em ordem, como deveria. O cálculo político pode dilatar os acertos no tempo ou até mesmo ampliar uma situação crítica com vistas a ganhos de curto prazo.
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