• Perfil fiscalista se justifica por descalabro das contas
- Valor Econômico
O perfil da nova equipe econômica é um sinal claro de que o objetivo do novo governo é retomar o arcabouço que vigorou entre meados de 1999 e 2011, quando a presidente Dilma Rousseff assumiu o poder e, poucos meses depois, decidiu mudar tudo. Os integrantes do Ministério da Fazenda têm perfil fiscalista e isso é bom: por causa dos equívocos cometidos nos últimos cinco anos, a situação fiscal, nas palavras do ministro Henrique Meirelles, é um "descalabro".
Especialista em finanças públicas, Mansueto Almeida se dedicou, nos últimos anos, a alertar a sociedade, por meio de seu blog, para a ruína fiscal em curso no primeiro mandato de Dilma (2011-2014). Ele foi o primeiro economista a calcular o tamanho do subsídio - a ser pago pela sociedade durante décadas - decorrente dos empréstimos feitos pelo Tesouro Nacional, entre 2008 e 2015, ao BNDES.
Aquela operação, talvez um dos maiores equívocos de política econômica já cometidos na história do Brasil, resultou, no período mencionado, no aumento da dívida bruta do setor público em cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Captados à taxa de mercado (Selic) e emprestados ao BNDES à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), subsidiada, aqueles recursos foram transferidos, em sua maioria, para grandes empresas, muitas das quais ou quase todas, dotadas da capacidade de captar recursos, a um custo igualmente baixo, no mercado de capitais ou no exterior. Estime-se o tamanho da concentração de renda promovida no período...
O Tesouro calcula que o gasto com subsídio referente àquelas operações somará a impressionante cifra de R$ 323,2 bilhões até 2060. Do total, R$ 123,1 bilhões foram gastos entre 2008 e 2015. E o pior é constatar que, nesses oito anos, o estoque de investimento da economia diminuiu, em vez de ter crescido.
Meirelles deu a Mansueto a missão de preparar análises sobre os gastos públicos, de maneira a facilitar a busca de soluções. A tarefa é hercúlea. O governo interino de Michel Temer recebeu da gestão anterior um quadro fiscal calamitoso. Alguns números: nos 12 meses até março, a dívida bruta do setor público chegou a 67,25% do PIB, quase dez pontos percentuais acima do período anterior; no conceito primário (que exclui os gastos com juros), o resultado nos 12 meses até março foi um déficit de 2,28% do PIB; já o déficit nominal, que inclui a despesa com juros, somou o equivalente a 9,73% do PIB. Para piorar a situação, a arrecadação de impostos e tributos federais recuou 8,19%, em termos reais, de janeiro a março deste ano, quando comparada ao mesmo período do ano passado.
O marco do retrocesso da gestão fiscal do governo anterior foi a perda, em 2015, do grau de investimento (o selo de bom pagador), conquistado pelo país em 2008, depois de 26 anos de enfrentamento da "crise da dívida". O rebaixamento foi decretado pelas três principais agências de classificação de risco.
A absorção, pela Fazenda, da Secretaria de Previdência e a nomeação de Marcelo Abi-Ramia Caetano para comandá-la mostram a prioridade que o novo governo dará à questão previdenciária. O Brasil é um país de população jovem com gasto previdenciário de nação envelhecida. O gasto previdenciário está em torno de 13% do PIB, uma clara desvantagem competitiva, uma vez que a maioria dos países em desenvolvimento gasta muito menos do que isso. Se o problema não for enfrentado de uma vez por todas, chegará o tempo em que haverá mais trabalhadores inativos do que na ativa, o que dificultará sobremaneira a busca de uma solução.
Especialista em previdência, Caetano foi um dos primeiros economistas a chamar atenção para uma grave distorção: o gasto excessivo do país com pensões por morte, graças a regras anacrônicas de concessão do benefício. Em estudos que se tornaram notórios, Caetano mostrou que essa despesa consome o equivalente a 3% do (PIB) - cerca de R$ 180 bilhões - em recursos da União e dos Estados e municípios. Corresponde a cerca de 25% do gasto previdenciário federal e é 3,5 vezes superior à média despendida pelos países da OCDE e 4,5 vezes pelas economias da América Latina.
Por influência dos trabalhos de Caetano e decisão do então ministro Joaquim Levy, o governo Dilma enviou ao Congresso proposta para mudar as regras de concessão de pensão por morte. Por falta de vontade política do PT e de setores do governo, apenas uma parte das medidas foi aprovada.
Nomeado secretário de Política Econômica, Carlos Hamilton foi, em seu período como diretor de Política Econômica do BC, um crítico explícito - e isolado dentro do governo - da escalada de gastos verificada no primeiro mandato de Dilma. Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado, é outro especialista em finanças públicas que reforçará o time de fiscalistas, bastante necessário neste momento. Aos mencionados, somam-se funcionários públicos de carreira, de reconhecida competência, como Jorge Rachid (Receita Federal), Otávio Ladeira (Tesouro) e Tarcísio Godoy (secretaria-executiva da Fazenda).
Um registro importante: todos esses economistas têm origem no setor público, o que comprova que o Estado brasileiro, com todos os seus problemas e distorções, é dotado de técnicos de alta qualificação para o enfrentamento dos problemas que afligem o país. O importante é permitir que eles trabalhem com independência para servir não apenas a um projeto de poder, mas principalmente à maioria da população. Um dos piores malefícios do governo Dilma foi justamente agir com tirania em instituições como o Tesouro Nacional.
Essa equipe, ao lado do novo presidente do BC, Ilan Goldfajn, vai se esforçar para colocar a política econômica no rumo da disciplina fiscal e monetária, do fortalecimento do tripé superávit primário-câmbio flutuante e metas para inflação, da liberalização comercial e da redução do Estado-empresário. Muito ou quase tudo vai depender do parlamento, mas é por isso que o governo será, segundo o presidente interino, Michel Temer, "congressual".
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