• O PT se aproveitou da acefalia da Cultura e ocupou os prédios do antigo ministério em oito estados, inclusive o Palácio Gustavo Capanema
- Correio Braziliense
A extinção do Ministério da Cultura foi um tiro no pé, pela forte reação da comunidade artística, que pode não representar toda a cultura nacional, mas é a mais expressiva, numerosa e popular parcela desse universo. A situação se complicou ainda mais porque a Secretaria de Cultura, mesmo que viesse a ter autonomia em relação ao Ministério da Educação e ficasse ligada diretamente à Presidência, passou a ser tratada como uma forma de resolver a falta de mulheres no primeiro escalão do governo Temer. Mulher não gosta de ser estepe; isto é, o pneu reserva.
O fato é que o PT se aproveitou da oportunidade e desdobrou a mobilização de artistas e produtores culturais contra o impeachment, para defender a existência do MinC, no melhor estilo petista de construir uma narrativa e encontrar uma palavra de ordem de apelo fácil. Quem defendeu o impeachment e vê o governo Temer com certa simpatia no meio cultural ficou isolado, até acuado. Algumas das mulheres convidadas para o cargo fizeram dele uma limonada, divulgando que haviam recusado o convite porque são contra a extinção do MinC; em alguns casos, também são contra o impeachment.
Não há a menor dúvida de que o governo provisório de Michel Temer revelou um ranço machista, ainda que isso não possa ser atribuído exclusivamente ao presidente interino, já que os cargos de primeiro escalão foram indicados pelos partidos, com exceção da Fazenda, da Defesa e do Palácio do Planalto, que são da cota pessoal do presidente. Mas é que Temer reservou para as mulheres os cargos de segundo escalão, mesmo que alguns sejam mais importantes do que uma pasta na Esplanada, como é o caso da Presidência do BNDES, destinada à economista Maria Sílvia Bastos Marques.
O PT se aproveitou da acefalia da Cultura e ocupou os prédios do antigo ministério em oito estados, inclusive o Palácio Gustavo Capanema, no Centro do Rio de Janeiro. O prédio é um marco da nossa arquitetura modernista, projetado por Lucio Costa, Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos e Jorge Machado Moreira, sob supervisão de Le Corbusier, o famoso arquiteto modernista franco-suíço. O prédio foi construído durante o Estado Novo (1937-1945), para ser a sede do Ministério da Educação e da Cultura, mas somente acabou inaugurado em 1947, já na democracia. Sinal mais trocado do que esse é impossível.
Nas fotos da ocupação do Palácio Gustavo Capanema aparece o magnífico mural de azulejos pintados por Portinari na sua parte externa, que ainda preserva um jardim projetado por Burle Max. Não custa nada repetir Tom Jobim: o Brasil não é para iniciantes. Houve uma subestimação da importância da cultura na política nacional e como atividade econômica, bem como das dificuldades de lidar com um pessoal que vê o mundo com um olhar diferenciado, no qual a criatividade, a emoção e a intuição é que traduzem a realidade em forma de arte e não a simples razão, senão, qualquer um poderia ser artista.
É óbvio que há muito dinheiro em jogo nessa disputa, sejam os bilhões movimentados pela Lei Rouanet, que completa 25 anos e veio para ficar. Curiosamente, foi criada em 1991 pelo embaixador Sérgio Rouanet, então secretário de Cultura do governo Collor. Somente no ano passado, movimentou R$ 1,18 bilhão. Portanto, a gritaria de tantas figuras estreladas não é gratuita. O Tribunal de Contas da União chama a atenção para o fato de que, desse montante, apenas R$ 51 milhões foram efetivamente investimentos privados na cultura, o restante — R$ 1,13 bilhão — corresponde a renúncias fiscais. É aí que rola o jogo bruto do marketing cultural. E também acontecem as maiores bizarrices, como a aprovação de projeto do maestro João Carlos Martins, em 2013, no valor de R$ 25 milhões, sem que o próprio tivesse solicitado ou sequer autorizado o pedido.
Ontem, a Comissão de Educação do Senado, presidida pelo senador Romário (PSB-RJ), aprovou requerimento de convocação do ministro Mendonça Filho para prestar informações sobre incorporação da Cultura à Educação e a migração de suas atribuições para o MEC. Foi o primeiro sinal de que a situação estava ficando realmente fora do controle. A saída foi nomear o primeiro indicado para o posto, o cineasta João Batista de Andrade, nome sugerido pelo presidente do PPS, Roberto Freire, para o cargo de secretário nacional de Cultura. Antigo militante do PCB, vai encarar uma pedreira.
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