• Para especialistas, peemedebista tem de lidar com pedidos das ruas
Marlen Couto - O Globo
Ligação com a cúpula do PMDB tira independência de Temer. Com menos de 20 dias, o governo Temer começa envolvido em problemas, protestos e o desafio de enfrentar questões que perduram desde 2013, quando a população foi às ruas por ética e melhoria nos serviços públicos, demandas ainda não atendidas. A divulgação de conversas comprometedoras, gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, atingiu em cheio o seu partido, o PMDB, e o seu governo, levando à saída de dois ministros — Romero Jucá, do Planejamento, e ontem Fabiano Silveira, da Transparência. Pesquisadores e políticos ouvidos pelo GLOBO avaliam que Temer tem como missão conquistar não só o Parlamento, mas, sobretudo, as ruas.
— Temer tem cenário com diversos portões para ultrapassar. O principal é o da confiança. Ele precisa ganhar a confiança da opinião pública. Não acredito que terá problema no Congresso. Tem capacidade de recuar, ceder. Mas tem que ser o principal fiscal do seu governo. Em qualquer sinal de desvio por corrupção, ele tem que atuar energicamente — diz o decano da Câmara, Miro Teixeira (Rede-RJ), que votou a favor da admissibilidade do processo de impeachment contra a presidente afastada Dilma Rousseff.
“É a ética, estúpido”
Miro crê que o movimento por novas eleições presidenciais pode ganhar força, se tudo “continuar do mesmo jeito”:
— A pressão social, quando democrática, torna-se irresistível.
O cientista político Júlio Aurélio, da Fundação Casa de Rui Barbosa, diz que os desafios de Temer são os mesmos de Dilma:
— A questão é a qualidade dos serviços públicos e a ética. Como se diz: “Não é a economia, é a ética, estúpido”. Isso vem desde junho de 2013, quando o desemprego, por exemplo, era menor. Ali já havia despontado a crise do nosso regime democrático, um movimento que lançou um desafio para essa democracia, que completava naquele momento 25 anos. O desafio atingiu tanto o governo do PT quanto Temer.
Para o cientista político e professor da FGV de SP, Cláudio Couto, a queda de ministros é motivo para cautela, mas não é suficiente para afetar a estabilidade do governo Temer.
— Ele tem uma base sólida no Congresso. A falta de alternativa o favorece — diz Couto, que descarta a possibilidade de a reivindicação por novas eleições se fortalecer: — Deputados e senadores não querem se arriscar com eleição geral. E a proposta passa também pelo Judiciário, e alguns líderes do STF já deram indicações de que não há possibilidade de antecipar novas eleições.
A professora Helcimara Telles, do Departamento de Ciência Política da UFMG, argumenta que Temer apresenta pautas impopulares. Ela discorda da tese de que o peemedebista terá facilidade no Congresso para apoiar medidas de ajuste:
— Ele ampliou o conflito, as arestas. Quando você assume com desconfiança, tem de ter cuidado. Parece que o governo trata o Brasil como se fosse uma grande Avenida Paulista. Não está criando consenso.
Nome histórico do PMDB, o ex-senador Pedro Simon (RS) diz que Temer cometeu erro “primário” ao não incluir mulheres no governo, uma das primeiras medidas bombardeada por críticas da sociedade:
— Tem coisas que não precisavam ter acontecido. Não colocar mulher é piada. Dilma botou um montão de mulher.
“Partidos sem pensamento”
O ex-senador fala em ambiente carregado pela reação do PT, de “má vontade” após a saída de Dilma, mas também sobram críticas à base governista:
— O presidencialismo é de coalizão. Temos 30, 40 partidos sem pensamento. É um “toma lá, dá cá”. A área econômica, ele escolheu. O resto, não.
A professora aposentada e diretora de teatro Maria Elisa Amorim fez coro ao “panelaço” contra Temer no último dia 15, durante entrevista dele ao “Fantástico”, da TV Globo.
— As pessoas não entendiam que o fato de eu dizer que era a favor do impeachment não significava que eu queria o Temer. Por isso, gostei de poder fazer meu protesto para mostrar a todos que não estou nem de um lado, nem de outro. Estou defendendo uma coisa maior — conta Maria Elisa, que é a favor de novas eleições.
Para Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular, a presença de perfis como o de Maria Elisa no último “panelaço” é reação “previsível”. Segundo ele, apesar de mais de 60% da população pedirem afastamento de Dilma, 58% querem também o impeachment de Temer:
— Os números mostram o real desejo da população, que, mais do que impeachment, quer mudar a classe política no poder.
Segundo Meirelles, o governo tem de mostrar mudanças que justifiquem o impeachment:
— Temer tem que mostrar que é diferente do governo anterior. Mas, até agora, não conseguiu. A sociedade quer que a classe política volte a ter conexão com seus representados.
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