terça-feira, 31 de maio de 2016

Temer mantém alto sarrafo da Lava-Jato - Raymundo Costa

• Interino tem que conquistar dia a dia a estabilidade

- Valor Econômico

A proposta de limitar o nível real das despesas primárias tem chances reais de passar no Congresso, apesar de atingir fortes interesses corporativos. De todas as possibilidades enunciadas, até agora, pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, as mais difíceis de ser aprovadas são as medidas que venham atingir direitos adquiridos, como eventualmente o governo admite que possa ocorrer na reforma da Previdência. Quem faz essas avaliações costuma saber do que fala: é o deputado Eduardo Cunha. Mesmo afastado da presidência da Câmara, ele mantém praticamente intacta sua influência sobre o chamado "centrão", o grupamento mais numeroso da Casa, e conhece como poucos o humor do baixo clero que hoje dita o rumo legislativo.


Segundo Cunha, o Congresso "está preparado para discutir o limite de gastos", muito embora a imagem que prevaleça do legislativo seja a de irresponsabilidade quando o assunto é a partilha do orçamento. "O gasto não pode aumentar mais que a arrecadação", defende o deputado que no governo Dilma Rousseff acendia o pavio das pautas-bombas que a presidente afastada diz terem ajudado a minar seu governo. Cunha afirma que vai defender a proposta de Meirelles quando voltar ao Congresso - volta de que não tem dúvidas. Ajuda a proposta de limitação dos gastos o fato de que a medida pode abrir caminho para o orçamento impositivo, antiga demanda do legislativo.

Fora da Câmara por imposição do Supremo Tribunal Federal (STF), que o afastou do cargo sem prazo determinado, Cunha mantém-se próximo o suficiente para julgar que a governabilidade de Temer não está ameaçada. Hoje mesmo comissão da Câmara deve dar uma demonstração aprovando o projeto de Desvinculação das Receitas da União (DRU), projeto que Dilma não conseguiu votar mesmo havendo um entendimento favorável à matéria no Congresso. Semana passada, Temer deu uma demonstração de boa articulação política ao aprovar a revisão da meta fiscal para 2016.

Na realidade, essa é uma diferença fundamental entre o governo Temer, presidente interino, e o governo Dilma Rousseff, a presidente afastada enquanto o Congresso julga se ela cometeu crime de responsabilidade. Só para enviar o projeto da DRU ao Congresso Dilma levou cerca de oito meses. As especulações sobre mudanças de votos de senadores servem para manter o PT aceso no jogo parlamentar, enquanto tenta se reorganizar, pois é consenso no meio político: ninguém admite a volta da Dilma.

Em caso de crash do governo Temer, a alternativa à vista é a eleição indireta pelo Congresso e não a eleição direta já. A tendência é por uma acomodação política em torno do atual governo, até 2018, mesmo com solavancos. Para viabilizar uma eleição direta seria necessário grande acordo nacional com a concordância de todos, o que atualmente é virtualmente impossível.

Sem um acordo, dificilmente uma emenda constitucional estabelecendo eleições diretas já para presidente seria aprovada até o fim deste ano, em dois turnos de votação na Câmara e no Senado. E a partir de 1º de janeiro de 2017, a solução legal para eventual vacância da Presidência é a eleição indireta pelo Congresso. Está em jogo também o interesse de 27 governadores. Alguém segura?

Além disso, seria uma eleição solteira, como foi a de Fernando Collor em 1989. Uma eleição descasada para presidente implicaria na convivência de um presidente novinho em folha com um Congresso velho, que também é parceiro da atual crise. Outra possibilidade é a cassação da chapa Dilma-Temer pela Justiça Eleitoral. Mas também não há expectativa de julgamento antes de 17.

Não pode ser ignorado que Temer sofreu um novo golpe no Congresso, com as revelações dos grampos do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que atingiram em cheio a governança do Senado. Eles expuseram as tentações dos ministros de Temer em relação a um acordo para abafar a Operação Lava-Jato. Os áudios servem de defesa preventiva da investigação, mas também são um aviso claro de que não é possível fazer de conta que não é com o governo, como faziam Dilma e o PT.

O presidente interino estabeleceu a altura do sarrafo quando desistiu, antes mesmo de assumir o cargo, da nomeação do jurista Antonio Mariz de Oliveira para o Ministério da Justiça. Imprudente, o advogado fez críticas à forma de atuação da Lava-Jato antes de ser nomeado e tomar posse. Depois, com 12 dias de governo, Temer tirou do cargo o ministro Romero Jucá (Planejamento), gravado, nos áudios de Machado, sugerindo a celebração de um "pacto" para "estancar a sangria" da Lava-Jato.

Temer, com isso, estabeleceu um critério para ministros sob a sombra da Lava-Jato. Teria baixado a altura do sarrafo se mantivesse o ministro da Transparência, Fiscalização e Controle (a antiga Controladoria Geral da República, a CGU), Fabiano Silveira, apanhado nas gravações orientando o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o próprio Sérgio Machado, a respeito de como agir com a investigação e os investigadores. A indicação de Fabiano para o cargo é de Renan Calheiros, personagem-chave de todos os áudios da fitoteca de Machado, investigado em nove inquéritos da Lava-Jato.

Fabiano se explicou, mas sua manutenção no cargo seria conceder a Renan Calheiros, cuja moeda de troca é o afastamento definitivo de Dilma. Não é à toa que o PT não pressiona Renan, no Senado. O presidente interino jogaria fora a demissão de Jucá, que deveria ser um sinal para a sociedade, correndo o risco de se tornar um refém da Lava-Jato.

Quando Fernando Collor caiu, em 1992, o vice Itamar Franco era a estabilidade. Hoje, Michel Temer tem que conquistar a estabilidade no dia a dia. Apesar de alguns tiros de raspão, o Palácio do Planalto e o círculo mais próximo de Temer até agora não foi ferido de morte pelas gravações. Mas ninguém sabe quantos áudios Sérgio Machado gravou e que podem ser a qualquer momento divulgados. É o desafio de Temer.

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