Passado o auge da turbulência política causada pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff e a posse do governo interino de Michel Temer, deve ser retomada nesta semana a negociação das dívidas dos Estados com a União. O assunto preocupa o governo Temer uma vez que o resultado do acordo pode abrir caminho para a normalização das finanças estaduais, vai influenciar o tamanho do rombo nas contas públicas e deve angariar apoio para as medidas de ajuste propostas pela equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Governo federal e Estados tinham mais cerca de um mês para voltar à mesa de negociação depois que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao fim de abril, concedeu dois meses de moratória diante da avalanche de pedidos de liminar para a troca de juros compostos por juros simples no cálculo do montante devido ao Tesouro. Depois que Santa Catarina conseguiu liminar garantindo a troca dos juros, outros dez Estados também tiveram o pedido acolhido.
Considerada uma aberração diante das práticas do mercado financeiro global que consagraram os juros compostos, a pressão para a adoção dos juros simples representa apenas uma face da disputa entre União e Estados. Outra face do problema emergiu na semana passada quando o Estado do Rio deixou de pagar uma parcela de R$ 8 milhões de um crédito concedido pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD). A conta vai ser naturalmente debitada ao Tesouro, que avaliza esse tipo de operação e pode descontar o valor da cota do Fundo de Participação dos Estados que deveria enviar ao Rio - uma saída que apenas muda o buraco de lugar e não representa solução efetiva.
Mas o problema é muito maior porque quase todos os Estados estão com dívidas elevadas no exterior. A partir de 2011, a dupla Guido Mantega, então ministro da Fazenda, e Arno Augustin, no Tesouro, estimulou os Estados a tomarem recursos no exterior e afrouxaram os limites de gastos impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Com incentivo e aval do Tesouro Nacional, a dívida externa dos Estados aumentou 155%, atingindo US$ 29 bilhões, de acordo com o Banco Central (O Globo 27/5). O peso dos contratos com credores internacionais no total da dívida dos Estados mais que dobrou, de 6,64% para 15,74%; e o governo federal receia novos calotes.
Além disso, há as pressões vindas de quase todos os lados por uma moratória dos pagamentos devidos ao Tesouro. Os governadores já falaram em cinco anos, dois anos e um ano de carência. Muitas pontas ficaram soltas no acordo feito no governo de Dilma, que começou aceitando a troca de indexador da dívida, de IGP-M por IPCA mais 4% ou a Selic, valendo o que for menor, pela reforma do ICMS. Mas, afinal, abriu mão dessa contrapartida. Problemas na redação do acordo abriram espaço para o uso do juro simples, sem falar na promessa de moratória de até dois anos em troca de ajustes, depois dispensados pelo partido do governo, o PT.
Os Estados podem esperar negociadores mais duros na equipe de Henrique Meirelles, que deseja que o novo acordo reforce a responsabilidade fiscal no país (Valor 23/5). Deve haver ainda a exigência de contrapartidas, principalmente nas despesas com salários e contratações, apontadas como os principais ralos das finanças estaduais, além da exigência da venda de ativos. Estudo da Fazenda mostra que os gastos dos Estados com pessoal subiram 38% acima da inflação entre 2009 e 2015, enquanto os investimentos estão estagnados desde 2012.
A palavra moratória estaria riscada do vocabulário da equipe de Meirelles, que prefere falar em carência, por prazo certamente inferior ao almejado pelos Estados. A Fazenda estima que uma moratória de 100% custaria R$ 36 bilhões em um ano, só com a dívida com a União, mas, se for estendido aos bancos federais, o impacto aumenta. Esse valor, no entanto, não é divulgado pela equipe econômica. O único indicador do gasto com a renegociação é um déficit de R$ 19,9 bilhões, incorporado à meta de 2016, resultado de uma conta líquida entre o que o governo espera receber com a repatriação de recursos no exterior e o que vai gastar no ajuste estadual, além de restos a pagar.
Com essas questões pipocando não era intenção do governo interino retomar a negociação apenas nas proximidades do prazo final dado pelo STF. O quanto antes surja uma solução pacificadora para as questões financeiras entre Estados e União, melhor.
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