sábado, 30 de julho de 2016

Lula vira réu na Lava-Jato

• Ex-presidente será julgado pela acusação de tentar calar ex-diretor da Petrobras

Ex-senador Delcídio, André Esteves, Bumlai e mais três investigados também responderão à ação penal

A Justiça Federal transformou o ex-presidente Lula em réu pela acusação de obstruir as investigações da Lava-Jato na ação para tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. É a primeira denúncia aceita contra o petista, que também é alvo de inquérito em Curitiba pela suspeita de ter sido beneficiado por empreiteiras na reforma do sítio em Atibaia e do tríplex em Guarujá. Também viraram réus o ex-senador Delcídio Amaral, que acusou Lula de ordenar a operação, o banqueiro André Esteves, o pecuarista José Carlos Bumlai e outras três pessoas. Em nota, Lula disse que jamais tentou interferir na LavaJato. Em evento em SP, ao comentar o inquérito de Curitiba, disse: “Já cansei.”

De investigado a réu

• Justiça aceita denúncia contra Lula e outros seis acusados de tentar comprar silêncio de Cerveró


André de Souza - O Globo

BRASÍLIA - O ex-presidente Lula é réu pela primeira vez desde que começaram as investigações da Lava-Jato. O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, aceitou ontem denúncia contra Lula, o ex-senador Delcídio Amaral, o banqueiro André Esteves e outras quatro pessoas. O Ministério Público Federal (MPF) os acusa de terem tentado atrapalhar as investigações da Lava-Jato, que apura principalmente corrupção na Petrobras.

Os réus vão responder por três crimes: organização criminosa, exploração de prestígio e patrocínio infiel. A principal acusação é que eles tentaram comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, a quem foram oferecidos R$ 250 mil para que desistisse da delação premiada — acordo que acabou sendo fechado. A denúncia é baseada, sobretudo, em gravação feita pelo filho de Cerveró e em delação premiada de Delcídio Amaral, que acusou Lula de ordenar a operação.

Delcídio entregou à Justiça documentos que, segundo ele, são suficientes para comprovar a acusação, como registros em agendas de diversas conversas por telefone entre ele e Lula e de reuniões, além de extratos bancários. Delcídio relatou aos procuradores que foi chamado por Lula em São Paulo, em maio de 2015, para discutir a necessidade de evitar que Cerveró celebrasse acordo de delação premiada.

“Há lastro probatório mínimo”
De acordo com o juiz, há “lastro probatório mínimo apto a deflagrar a pretensão punitiva” no caso. Ele também atendeu a pedido do Ministério Público para levantar o sigilo do processo, com exceção dos dados bancários, fiscais e telefônicos. Mas, por enquanto, o material não está disponível. O juiz explicou que ainda não analisou a defesa de alguns réus, o que ocorrerá depois do recebimento da denúncia.

A primeira denúncia sobre o caso foi feita em dezembro de 2015 pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na época, o caso ainda tramitava no Supremo Tribunal Federal (STF). Um aditamento foi feito posteriormente para incluir Lula entre os denunciados. Em maio, o Senado cassou o mandato de Delcídio. Com isso, ele perdeu o foro privilegiado, e a investigação foi enviada para a Justiça Federal do Distrito Federal. Também viraram réus o pecuarista José Carlos Bumlai, seu filho Maurício Bumlai, o advogado Edson Ribeiro e Diogo Ferreira, ex-assessor de Delcídio.

Em delação premiada, Delcídio acusou Lula de participação na tentativa frustrada de evitar a delação de Cerveró. Segundo o ex-senador, Lula agiu para que a família Bumlai interferisse, inclusive com ajuda financeira, nos rumos da colaboração do ex-diretor da Petrobras. O plano incluía até mesmo a fuga de Cerveró do Brasil.

Delcídio disse ter procurado o filho do pecuarista, Maurício Bumlai, e obtido repasses em dinheiro vivo. O próprio senador disse ter feito um repasse de R$ 50 mil ao advogado de Cerveró, Edson Ribeiro. Os dados bancários mostram uma movimentação financeira pouco antes dos repasses em dinheiro vivo, conforme a denúncia, e reforçam a participação do grupo. André Esteves, do banco BTG, é acusado de transferir recursos para a família de Cerveró.

Em razão da articulação para tentar barrar a delação, Delcídio foi preso em novembro do ano passado. As conversas em que o ex-senador tenta comprar o silêncio de Cerveró foram gravadas pelo filho dele, Bernardo Cerveró. O áudio foi entregue ao Ministério Público. Na ocasião, também foram presos André Esteves, Edson Ribeiro e Diogo Ferreira. Antes de ser solto, em fevereiro deste ano, Delcídio firmou acordo de delação para colaborar com as investigações.

Em junho, após a cassação do mandato de Delcídio, Janot pediu que as investigações fossem transferidas para a 13ª Vara Federal em Curitiba, onde o juiz Sérgio Moro conduz os processos da Lava-Jato. Mas o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF, ponderou que o caso não tem relação direta com os desvios da Petrobras. O ministro também disse que os supostos crimes teriam ocorrido na capital federal, daí a remessa dos autos para um juiz de Brasília.

“Tais fatos não possuem relação de pertinência imediata com as demais investigações relacionadas às fraudes no âmbito da Petrobras. Na verdade, dizem respeito à suposta prática de atos, pelos investigados, com a finalidade de impedir e aviltar colaboração premiada entre Nestor Cerveró e o Ministério Público”, escreveu Teori.

Em 21 de julho, a Procuradoria da República no DF reiterou a denúncia. O procurador Ivan Cláudio Marx fez acréscimos, ampliando a descrição dos fatos e as provas contra os acusados.

Provas confirmam as acusações
Numa das diligências das investigações, quando elas ainda estavam no STF, a Procuradoria-Geral da República pediu dados bancários que comprovassem as movimentações financeiras dos Bumlai com objetivo de barrar a delação de Cerveró. As provas, obtidas com autorização do STF após o ex-presidente ser denunciado, confirmaram as acusações e foram incluídas na denúncia.

Lula nega as acusações. A defesa de Bumlai informou que vai provar que o empresário jamais deu dinheiro a Cerveró ou sua família para obstruir a Justiça. “A maior confirmação de que essa situação não procede é que a delação foi concretizada e o próprio Cerveró afirmou, em outro processo, que nunca tratou com Bumlai sobre qualquer irregularidade no âmbito da Petrobras”, diz nota do advogado Conrado de Almeida Prado.

Também por meio de nota, o advogado de André Esteves, Sepúlveda Pertence, disse não haver justa causa para abrir processo penal “em bases tão fracas”. “O juiz deve ainda examinar se é caso de absolvição sumária ou mesmo de rejeição da denúncia, e nós vamos lutar por isso, pois estamos convencidos de que nosso cliente não cometeu nenhuma irregularidade. Não há justa causa para abrir processo penal em bases tão fracas”.

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