Não é questão semântica a retirada da proibição de reajustes salariais ao funcionalismo público no acordo de renegociação das dívidas estaduais, o Projeto de Lei Complementar 257, aprovado anteontem à noite pela Câmara dos Deputados. Ao longo das negociações, que começaram com a presidente afastada Dilma Rousseff, os Estados conseguiram as concessões que quiseram dando muito pouco em troca. Com a atual equipe econômica, novas concessões foram feitas e o texto que vai ao Senado coloca como única contrapartida dos Estados a limitação de seus gastos à variação da inflação por dois anos.
Em primeiro lugar, o enorme problema da renegociação não foi criado pelo governo interino, mas pelo estímulo à gastança em todos os níveis de governo patrocinado pela presidente Dilma Rousseff, e pela ausência de fiscalização e cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Da equipe de Dilma surgiram a ideia e os termos para que os Estados e municípios tivessem débitos junto ao Tesouro prorrogados por 20 anos e por uma década junto ao BNDES.
A fraqueza política de Dilma impediu a aprovação do acordo que estabelecia regras para que as despesas com a folha de pagamentos, o principal problema dos entes federados, fossem contidas. Entre 2009 e 2015, elas subiram 38% além da inflação.
A renegociação, que se tornou inevitável diante da recessão e da penúria dos Estados, começou torta. Estabeleceu como ponto de discussão com os Estados o que de fato é uma exigência legal, ou seja, que se respeitasse a LRF. Com isso, abriu-se a brecha que desfigurou a lei, porque cumpri-la ou não tornou-se parte da barganha política.
Além da rebelião dos partidos aliados, Dilma viu levantar-se contra si o próprio PT, que queria votar a prorrogação da dívida e o abatimento nas prestações por dois anos sem as contrapartidas. Entre o afastamento de Dilma e a ascensão de Temer, houve a interferência equivocada do Supremo Tribunal Federal, que concedeu liminares aos Estados para que pagassem os débitos por juros simples, e não compostos, e instou União e Estados a chegarem a um acordo em 60 dias.
O governo interino de Michel Temer esperneou, mas não se saiu muito melhor na renegociação. Sob pressão de sua base de apoio, aceitou que a inclusão de várias despesas na folha de pessoal, que os Estados não contabilizavam lá, não constassem do projeto, com a promessa de que outro projeto, sem data para ser enviado, esclarecesse a questão.
Na verdade, há pouca coisa a esclarecer. O artigo 18 da LRF é claro: "Entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos dos entes da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência".
O artigo 3 do projeto de lei complementar, lista então as condições para as concessões e repete condições que constam do artigo 22 da LRF: não conceder vantagem, aumento, reajustes ou adequação de remunerações a qualquer título, suspender admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título.
Foi contra isso que se insurgiram os deputados, isto é, aceitar condições determinadas por lei que os Estados tinham a obrigação de cumprir e que descumpriram.
Para o governo Temer, manter a exigência de que os gastos totais não excedam a variação da inflação foi suficiente, sob a suposição de que a vedação de reajustes e contratações acabará se impondo de uma forma ou de outra. Na prática, não é bem assim. Não haverá obrigação de que os Estados reduzam as despesas para retornar aos limites legais da LRF que ultrapassaram. O limite pela inflação não obriga necessariamente o corte da folha de pessoal, que pode até crescer, se os gastos totais não tiveram aumento real. A proibição de reajustes, ao contrário, inequivocamente contrairia essas despesas. Pela resistência ao projeto na Câmara, está claro que os Estados, mesmo arruinados, não têm menor intenção de fazer isso. O governo interino tolera essa situação.
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