Não são poucos os empresários e políticos que têm questionado a firmeza do presidente em exercício Michel Temer com o ajuste fiscal e o saneamento das contas públicas. E não é para menos: o Brasil que trabalha e paga impostos depositou em Temer e em sua competente equipe econômica a firme esperança de que a irresponsabilidade de Dilma Rousseff seria rapidamente superada, mas agora tem se deparado com uma condução que se mostra errática – ora prometendo a rigidez necessária para superar a crise, ora fazendo concessões que aparentam submissão a interesses paroquiais e corporativos. A votação, na Câmara dos Deputados, do projeto que trata da renegociação das dívidas dos Estados com a União foi um desses casos emblemáticos, pois a impressão que ficou, para muitos espectadores, foi a de um governo incapaz de fazer frente às pressões do Congresso.
Mas essa impressão – como quase todas as impressões que se prestam mais ao teatro da política – é, no mínimo, incorreta. O que importa observar é se o projeto aprovado é adequado às necessidades do País neste momento – e a resposta é afirmativa.
O governo cometeu erros na tramitação do texto, mas o resultado final está de acordo com a necessidade de urgente ajuste nas contas nacionais. Se o Palácio do Planalto está com dificuldades de convencer a opinião pública desse seu acerto, isso se dá porque se criou uma expectativa irreal de que os Estados seriam submetidos a um sem-número de cláusulas draconianas que os obrigariam a trancar os cofres e jogar as chaves fora. Como algumas dessas cláusulas caíram – entre outras razões porque ou eram inaplicáveis, ou eram redundantes, ou tinham constitucionalidade duvidosa –, configurou-se a imagem de que o governo Temer, especialmente o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, recuou e foi derrotado.
Mas isso não é verdade. A essência do projeto foi mantida: para terem direito à renegociação de suas dívidas, os Estados terão de limitar o aumento de despesas correntes à correção inflacionária. Nas palavras de Meirelles, essa era “a mais importante de todas as contrapartidas” exigidas dos Estados.
A contrapartida é mais que importante. É essencial. O governo queria, por exemplo, incluir as despesas com aposentados e terceirizados entre os gastos com pessoal, cujo limite é estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal. Os governadores conseguiram derrubar esse dispositivo alegando que, de uma hora para outra, todos os Estados estariam descumprindo a lei, o que levaria a corte de salários e demissões em massa. Tinham razão, sendo a exigência despropositada.
Na votação de terça-feira, o governo aceitou também retirar do projeto o dispositivo que proibia os governadores de dar reajustes salariais e de contratar servidores por dois anos. O relator do projeto, deputado Esperidião Amin (PP-SC), alertou que se tratava de uma medida inconstitucional.
Ademais, disse Amin com razão, o teto para o crescimento dos gastos já será o suficiente para fazer o ajuste que o governo pretende, pois obrigará os Estados a adequar sua folha de pagamento a essa restrição. Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal continua em vigor, ou seja, havendo teto, ele terá de ser respeitado, não importando o arranjo que se faça com cada rubrica do orçamento.
Foi isso o que o próprio Meirelles havia dito dias atrás, minimizando a importância de uma eventual retirada desse dispositivo do projeto. No entanto, possivelmente devido às críticas que vinham recebendo em razão das concessões aos governadores, a equipe econômica passou a considerar o veto aos reajustes salariais como “inegociável”. Como o que era “inegociável” caiu na votação de anteontem, a sensação é que o governo recuou e que Meirelles foi derrotado – razão suficiente para gerar reações nervosas no mercado financeiro e da imprensa especializada, que passaram a duvidar da solidez dos propósitos saneadores do governo.
Não há motivo objetivo para isso. Do jeito que está, o projeto de renegociação das dívidas estaduais, que irá agora ao Senado, é o primeiro grande avanço, em muitos anos, na direção da racionalização do trato das contas públicas. Resta agora ao governo empenhar-se ao máximo para manter a essência do texto e continuar trabalhando para convencer a opinião pública de que seu compromisso com a responsabilidade fiscal é inarredável.
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