• Presidente afastada leu nesta terça-feira carta em que trata o impeachment como 'golpe' e diz que não pode ser condenada pelo 'conjunto da obra'
Carla Araújo e Vera Rosa - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - A nove dias do início do julgamento final no processo do impeachment, a presidente afastada Dilma Rousseff divulgou nesta terça-feira, 16, uma carta de quatro páginas, na qual disse não poder ser condenada pelo "conjunto da obra", defendeu um pacto pela unidade nacional e manifestou apoio a um plebiscito para antecipar as eleições presidenciais de 2018.
Batizada de "Mensagem ao Senado Federal e ao Povo Brasileiro", a carta trata o impeachment como "golpe" e diz que as denúncias contra a petista são "frágeis e inconsistentes". "Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo 'conjunto da obra'. Quem afasta o Presidente pelo 'conjunto da obra' é o povo e, só o povo, nas eleições", disse.
Muitas vezes criticada até por aliados pela dificuldade em reconhecer erros, Dilma afirmou que na sua "jornada" para se defender do impeachment ouviu "duras críticas" ao governo, "a erros que foram cometidos e medidas políticas que não foram adotadas". "Acolho essas críticas com humildade para que possamos construir um novo caminho", disse.
A presidente afastada afirmou ainda esperar que o Senado encerre o processo de impeachment "reconhecendo diante das provas irrefutáveis que não houve crime". "Sou inocente", afirmou. Dilma disse que seu afastamento definitivo "seria um inequívoco golpe seguido de eleição indireta".
Plebiscito. "Estou convencida da necessidade e darei meu apoio irrestrito à convocação de um plebiscito, com o objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral." Dilma afirmou que a carta dirigida à população e aos senadores expressava o seu compromisso com a democracia e que seu retorno à Presidência significará a afirmação do Estado Democrático de Direito. "A democracia é o único caminho para sairmos da crise", disse.
Ao comentar a necessidade de sair da crise econômica, Dilma propôs um "amplo pacto nacional baseado em eleições livres e diretas" e que é preciso concentrar esforço para que seja realizada uma ampla e profunda reforma política. "Devemos construir, para tanto, um amplo Pacto Nacional, baseado em eleições livres e diretas, que envolva todos os cidadãos e cidadãs brasileiros. Um pacto que fortaleça os valores do Estado Democrático de Direito, a soberania nacional, o desenvolvimento econômico e as conquistas sociais", disse. "Esse pacto pela unidade, pelo desenvolvimento e pela justiça permitirá a pacificação do País", afirmou. Em sua mensagem, Dilma disse ainda que é preciso que haja um "arrefecimento das paixões" que "deve sobrepor-se a sentimento de desunião".
Diálogo. Criticada por sua postura mais fechada, Dilma defendeu o diálogo com o Congresso e com a população para que as demandas do País sejam respondidas e que é por meio do diálogo que o Brasil vai conseguir retomar o crescimento. "A transição para esse novo momento democrático exige que seja aberto um amplo diálogo entre todas as forças vivas da Nação Brasileira com a clara consciência de que o que nos une é o Brasil."
A petista elencou algumas prioridades de seu governo, disse que gerar emprego e elevar a qualidade da educação são prioridade e afirmou que o seu lema persistirá sendo "nenhum direito a menos". Dilma disse ainda que reformas necessárias para Brasil enfrentar a crise foram bloqueadas pelo Congresso, que insistiu "na política do quanto pior melhor". "Pautas-bomba foram impostas", afirmou.
Sem citar o nome do ex-presidente da Câmara, o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Dilma disse que "a essa altura todos sabem que não cometi crime de responsabilidade" e que "jamais se encontrará na minha vida registro de desonestidade, covardia ou traição". "Ao contrário dos que deram início a este processo injusto e ilegal, não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único centavo do patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi propina de ninguém", disse.
A presidente afastada reforçou que honrará os votos que recebeu, repetiu que a democracia é o lado certo da história e afirmou ter orgulho de ser a primeira mulher presidente do Brasil. Dilma lembrou ainda que sofreu com a tortura na ditadura e que "gostaria de não ter que resistir à fraude e a mais infame injustiça".
Ao dizer que o País atravessa um momento muito grave, Dilma disse que ele pode ser superado. "Esse momento que requer coragem, clareza de todos nós. É um momento que não tolera omissões, enganos ou falta de compromisso com o País", afirmou. Dilma pediu aos senadores "que não se faça injustiça de me condenar por crime que não cometi".
"Minha esperança é a do povo brasileiro, que me elegeu duas vezes. Não devemos permitir que uma ruptura fragilize nossa democracia. A democracia há de vencer", afirmou, repetindo que a democracia "é o lado certo da história".
O pronunciamento de Dilma foi realizado no Palácio da Alvorada e durou cerca de 13 minutos. Dilma atrasou a sua fala e assim que chegou quebrou o protocolo para comentar a derrota do futebol feminino nos pênaltis para a Suécia.
Divergências. O tom da mensagem divulgada nesta terça-feira foi alvo de divergências, principalmente entre Dilma e a cúpula petista. O presidente do PT, Rui Falcão, chegou a chamar de "inviável" a proposta de plebiscito popular para antecipar as eleições presidenciais de 2018. A declaração provocou contrariedade no Palácio da Alvorada e escancarou o racha entre o comando do partido e a presidente afastada. O que mais aborreceu Dilma, nos últimos dias, foi o fato de Falcão classificar a consulta popular sobre eleições como "artifício para tentar enganar quem não vai ser enganado", uma vez que a proposta é o eixo central da carta aos senadores.
Dilma decidiu deixar de lado o conselho de aliados e se referiu ao processo de impeachment como um "golpe". A petista quer deixar o documento como um registro histórico de sua resistência e causar constrangimento ao presidente em exercício, Michel Temer.
Dilma está afastada do Palácio do Planalto há 97 dias, quando o Senado autorizou a abertura do impeachment contra ela. Na madrugada do último dia 10, os senadores decidiram torná-la ré no processo. Ela é acusada de crime de responsabilidade pelo atraso em repasses do Tesouro Nacional para o Banco do Brasil custear empréstimos subsidiados no Plano Safra, uma das chamadas "pedaladas fiscais". A presidente afastada também responde pela assinatura de três decretos de suplementação orçamentária que autorizaram despesas em desacordo com a meta fiscal vigente.
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