Foi serena, e sem apelos emocionais, a leitura da carta que a presidente afastada Dilma Rousseff (PT) dirigiu "ao Senado Federal e ao Povo Brasileiro", às vésperas de iniciarem-se formalmente as sessões em que será julgada por crime de responsabilidade.
Não haverá exagero de crueldade em considerar que, nesta altura, sua missiva sobre o impeachment se revela sobretudo inócua.
A proposta de um plebiscito para novas eleições, reiterada pela petista, não encontra apoio sequer entre os dirigentes de seu próprio partido. Surge como expediente tardio numa conjuntura em que o mandato de Dilma já consta como página virada na história nacional.
Haveria, ademais, obstáculos jurídicos de grande porte para uma alternativa que significasse o encurtamento, não previsto na Constituição, do tempo de governo previsto para seu vice. Michel Temer (PMDB), querendo-se ou não, substituiu Dilma Rousseff em plena observância das regras estabelecidas.
Cabe fazer justiça a alguns dos argumentos que, mais uma vez, a presidente afastada apresentou. Não pesaram contra ela, em toda a crise, suspeitas quanto à sua honestidade pessoal; o mesmo não se pode dizer de várias figuras que defenderam sua destituição.
Os motivos legais do impeachment, debatidos à exaustão, revelaram-se tão questionáveis quanto relativamente pequenos diante do que se conhece de irregularidade e corrupção na política brasileira.
Não foram inexistentes, contudo. A manipulação abusiva das finanças nacionais, em período pré-eleitoral, reveste-se de gravidade própria. Terá sido, de todo modo, a ponta visível de um novelo gigantesco de erros, escândalos e imprudências que seria tolo ignorar.
Sem apoio no Congresso, Dilma desperdiçou seguidas oportunidades de propor o pacto de governabilidade com o qual ora acena.
A justificativa derradeira para seu apelo seria preservar as instituições democráticas contra o que, na desgastada retórica dilmista, terá sido um "golpe de Estado". A democracia mantém-se intocada desde que, em votação amplamente majoritária na Câmara, aceitaram-se os argumentos pela continuidade do impeachment.
Golpe não houve; eventuais riscos de instabilidade política e de divisão irreconciliável da sociedade nem de longe se confirmaram, limitando-se a uma parcela pequena da população o número dos que ainda esperam a volta de Dilma Rousseff à Presidência.
Não são pequenas as dificuldades do interino Michel Temer e das forças políticas ao seu redor. Nenhuma solução para isso viria, entretanto, de um retorno ao que já se tornou parte do passado.
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