“Fica assim mediatizada a relação fundamental que existiu em todas as sociedades tradicionais e que como tal, manifestou-se no capitalismo liberal: a oposição de classe entre os parceiros que se encontram numa relação institucionalizada de violência, de exploração econômica e de opressão política, onde a comunicação é deformada e restringida a tal ponto que as legitimações que servem como cobertura ideológica não podem ser postas em questão. A totalidade moral (sittliche) hegeliana de uma contextura da vida, rompida quando um sujeito não satisfaz reciprocamente as necessidades do outro, não é mais o modelo adequado para a relação mediatizada entre as classes na fase tardia do capitalismo organizado. A dialética imobilizada do moral (des Sittlichen) gera uma aparência peculiar de pós- história A razão disso é que o crescimento relativo das forças produtivas não representa mais eoipso um potencial transbordante e rico em consequências emancipatórias, que pudesse romper as legitimações de uma ordem de dominação existente. Pois desde agora, a principal força produtiva, o próprio progresso técnico científico assimilado à administração, tornou-se fundamento da legitimação. Essa nova forma de legitimação perdeu, contudo, a antiga figura de ideologia.
A consciência tecnocrática é, por um lado, “menos ideológica” que todas as ideologias anteriores; pois ela não possui a violência opaca de um ofuscamento que joga apenas com a ilusão da satisfação dos interesses. Por outro lado, a vítrea ideologia de fundo hoje dominante, que transforma a ciência em fetiche, é mais irresistível e mais abrangente do que as ideologias do tipo antigo, pois com o velamento das questões práticas, ela não somente justifica um interesse de dominação parcial de uma classe determinada e oprime a necessidade parcial de emancipação por parte de outra classe, como também atinge o interesse emancipatório da espécie humana como tal.”
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Jürgen Habermas (1929) é um filósofo e sociólogo alemão, que participa da tradição da teoria crítica e do pragmatismo. ‘Técnica e ciência enquanto ideologia”, p.335. Editora Civita S. Paulo, 1980
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