O governo interino de Michel Temer parecia ter dado um passo à frente no fortalecimento das agências reguladoras, ao incentivar projetos no Legislativo que as tornem de fato independentes financeiramente e ao estabelecer as qualificações mínimas para o exercício de seus postos de direção. Essas medidas auxiliam a impedir a praga da traficância política direta no comando da operação dos órgãos reguladores. Entretanto, dá vários passos rumo ao retrocesso ao pretender limitar a função dessas autarquias, de maneira semelhante à do projeto patrocinado em 2003 por José Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O objetivo aparente de retirar das agências a preparação de editais e a organização de leilões é fortalecer o poder da secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), comandada por Moreira Franco, um dos mais próximos colaboradores de Temer. A intenção é limitar o âmbito de atuação dos órgãos reguladores à fiscalização, o que é apenas uma de suas importantes funções. O diagnóstico ventilado é que as autarquias acabaram se tornando uma "espécie de Procon" e agindo como se fossem órgãos de defesa do consumidor (Valor, ontem).
Em 2003 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se queixava de que as agências mandavam em tudo e de que ele era o último a saber dos aumentos de tarifas. O Palácio apressou-se a elaborar duas leis que na prática transformavam as agências em apêndices dos ministérios e do Executivo e punham fim à sua independência. Os projetos de lei hibernaram por 10 anos e foram abandonados pela presidente Dilma Rousseff. Mas o objetivo havia sido parcialmente atingido: as diretorias das agências entraram no bazar da barganha política e o estrangulamento financeiro retirou parte da capacidade de operação dos reguladores.
O que o governo pretende fazer agora é a mesma coisa, sob argumentos diferentes. As agências não são órgãos de governo, mas do Estado, e têm missão de longo prazo, que não pode estar subordinada às trocas de poder do Executivo. Como entes reguladores e independentes, têm de buscar o máximo bem público, o que envolve a delicada interação entre interesses das empresas privadas concessionárias, dos consumidores e do próprio Estado. Só conseguirão se desincumbir a contento se forem protegidas institucionalmente dos interesses políticos dos governantes de turno. Não se trata de uma disputa entre poderes conflitantes. Está fora de questão que é o Executivo quem decide o que deve ser outorgado e quando.
A tentativa do PT de levar para o Executivo a elaboração dos editais e a realização das licitações foi avaliada por estudo da Confederação Nacional da Indústria como uma forma de interferência política que criaria insegurança, além de conflitos de interesse e duplicação de esforços com a expertise das agências. O caso mais evidente é o de Minas e Energia, pela presença de grandes estatais, como Eletrobras e Petrobras, vinculadas ao ministério que passaria a conceder as outorgas.
Dois objetivos do projeto de Dirceu foram incluídos no projeto de lei 52 que avança no Senado, de autoria do pemedebista Eunício Oliveira. É o caso da criação dos contratos de gestão, com o qual o Executivo pode amarrar a ação da agência e puni-la, quando a fiscalização de seu trabalho independente deveria ser feita pelo Congresso, e do ouvidor, indicado pelo presidente da República.
Se o governo quiser levar à frente seus propósitos intervencionistas, poderá pegar uma carona no PL do Senado. No caso do setor de petróleo, o projeto já inclui o desejado. Ele muda a redação do artigo 2-A da lei 9478 e estabelece que cabe ao poder concedente "elaborar os editais e promover as licitações para a concessão de exploração, desenvolvimento e produção". Fica claro que essas tarefas poderão ser delegadas à Agência Nacional do Petróleo, a critério do ministério.
As duas ações de membros do partido do presidente interino, o PMDB, convergem, se concretizadas, para instituir um projeto quase tão ruim e nocivo quanto o que o governo petista quis aprovar e não levou adiante. Há mais transparência e alguma blindagem no critério de seleção da direção dos órgãos reguladores, cujas atribuições foram rebaixadas. A ingerência política muda de lugar, deixa o plano raso da disputa por cargos e se instala na cúpula de ministérios e, agora, na secretaria do PPI.
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