Por André Guilherme Vieira – Valor Econômico
CURITIBA - Alvo da 35ª fase da Operação Lava-Jato, a Omertà, o ex-ministro da Casa Civil e da Fazenda nos governos do PT Antonio Palocci foi preso temporariamente ontem, na casa dele, em São Paulo, por decisão do juiz federal Sergio Moro, sob suspeita de facilitar fechamentos de contratos e de negócios do Grupo Odebrecht em troca de propinas que somaram R$ 128 milhões entre 2008 e 2013, segundo a Polícia Federal (PF) - nesse período, Palocci foi um dos coordenadores da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, em 2010, e foi o homem forte do governo da petista, chefiando a Casa Civil entre 1º de janeiro e 7 de junho de 2011.
Palocci é descrito pelos investigadores como uma espécie de gestor de um caixa geral da propina do PT. Desse caixa, segundo a PF, houve um saldo remanescente de R$ 70 milhões, em outubro de 2013, que também foi destinado ao ex-ministro para que ele os gerisse de acordo com o interesse do partido, segundo a força-tarefa da Lava-Jato.
Em nota, a defesa de Palocci afirmou que ele "jamais recebeu qualquer vantagem ilícita" e que a prisão decretada é "desnecessária e autoritária", porque o ex-ministro tem endereço conhecido e poderia prestar as informações necessárias "se fosse intimado a depor".
Também foram presos temporariamente os ex-assessores de Palocci, Branislaw Kontic e Juscelino Dourado. Os três foram levados no jato da PF à sede da instituição em Curitiba. Eles passaram por exame de corpo de delito e ficarão encarcerados ao menos até sexta-feira, quando vencem os prazos legais das prisões. O Ministério Público Federal (MPF) requereu que as prisões de Palocci e Kontic fossem preventivas, por entender haver risco à ordem pública, mas o juiz Moro negou o pedido. Por causa da legislação eleitoral, ontem foi o último dia para o cumprimento de prisões que não sejam feitas em flagrante, ou em decorrência de condenação - na hipótese de crime inafiançável.
Os investigadores se debruçaram por mais de um ano sobre e-mails e anotações feitas em celulares apreendidos em outras fases da operação, e descobriram que o ex-ministro trataria com o Grupo Odebrecht sobre ao menos quatro temas relacionados a esferas da administração pública federal.
Palocci teria atuado na obtenção de contratos com a Petrobras envolvendo navios-sondas para exploração da camada pré-sal; na negociação da Medida Provisória 460/2009, que reduziu a tributação para a construção civil; e do Programa de Desenvolvimento de Submarino Nuclear (Prosub). Palocci teria ainda participado da liberação de financiamento do BNDES para a realização de obras em Angola.
Em nota, o BNDES disse que os financiamentos para a Odebrecht na África somaram US$ 3,3 bilhões entre 2007 e 2016. "O BNDES está na fase final de revisão das operações já realizadas e da definição de novos critérios e procedimentos para futuras operações", diz o documento.
De acordo com o MPF, a prova obtida aponta que o suposto repasse de valores ilícitos a Palocci ocorria repetidas vezes, tanto em período eleitoral quanto fora dele. Por envolver repasses repetidos, o extrato dos pagamentos era consolidado em uma planilha chamada "Posição Programa Especial Italiano", codinome usado para se referir a Palocci, segundo a PF. O documento, datado de 31 de julho de 2012, foi apreendido em endereço do executivo da Odebrecht Fernando Migliaccio da Silva. Os policiais chegaram a pensar que a menção se destinaria a outro ex-ministro de Dilma, Guido Mantega (nascido na Itália), também alvo de investigação da Lava-Jato e que chegou a ser preso temporariamente na semana passada, mas teve a prisão revogada por Sergio Moro.
Essa tabela, apontam os investigadores, passava por atualizações periódicas à medida em que as propinas eram entregues ao então representante do governo federal.
"A planilha tem aparência de uma espécie de conta-corrente informal do Grupo Odebrecht com agentes do PT", afirmou o juiz Sergio Moro.
"A referência a um saldo de R$ 71 milhões sugere que não se tratam somente de doações eleitorais não registradas, uma vez que meras doações, em princípio, não geram saldos a serem pagos. O registro de pagamentos em anos nos quais não houve eleição, como 2009, 2011 e 2013, também sugere não se tratar de meras doações", observou o juiz Sergio Moro no despacho em que decretou a prisão de Palocci e determinou a realização de 13 conduções coercitivas de investigados por suspeitas de corrupção.
A PF submeteu e-mails de Palocci à perícia técnica e afirma que os acertos de pagamentos das contrapartidas eram tratados pessoalmente pelo então ministro, em reuniões em seus endereços residencial e comercial e seriam agendadas por telefone ou e-mail por Kontic. Além dele, Juscelino Dourado também teria atuado no recebimento de valores ilícitos, diz a PF.
Segundo a documentação reunida pelos investigadores, além de remunerar os marqueteiros João Santana e Mônica Moura, os supostos subornos repassados a Palocci também envolveram a aquisição de um terreno inicialmente destinado à construção de nova sede para o Instituto Lula. O caso foi revelado pelo Valor em maio deste ano.
O MPF localizou registros de repasse de R$ 12 milhões na planilha "Programa Especial Italiano" vinculados a "IL", que seria o Instituto Lula. Palocci participou de reunião com Marcelo Odebrecht e um dos advogados de Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Teixeira, além de ter recebido, por intermédio de Branislav Kontic, documentos encaminhados por e-mail pelo herdeiro do grupo empresarial, relacionados à aquisição do terreno.
Em nota, Teixeira afirmou que "assessorar cliente na compra e venda de bem imóvel configura ato privativo da advocacia", e frisou que o Instituto Lula não se interessou em adquirir a propriedade. A Odebrecht não se pronunciou. (Colaborou Francisco Góes, do Rio)
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