Aberta às pressas no regime militar sob o lema delirante de "Integrar para não entregar", a Transamazônica sempre esteve longe de atingir seu alegado objetivo original: promover o desenvolvimento ordenado ao longo do vasto eixo leste-oeste do Norte do país.
Quatro décadas depois de atrair cerca de 40 mil colonos para o seu entorno, o Estado brasileiro ainda hoje é incapaz de criar condições para o crescimento equilibrado na região. No vácuo de poder e na ausência de infraestrutura apropriada, vicejaram atividades ilícitas.
Conforme mostrou reportagem desta Folha, a rodovia que atravessa a Amazônia oferece oportunidades limitadas aos colonos e seus descendentes, atraídos na década de 1970 e logo esquecidos pelas políticas públicas. Funciona, por outro lado, como suporte e cenário a práticas ilegais.
Crimes como extração de madeira e garimpo em áreas protegidas são tão enraizados que sustentam até uma cidade do porte de Itaituba (PA), onde boa parte dos 98 mil habitantes depende do ouro ilegal.
A madeira saqueada em larga escala no Pará é acobertada pelo frágil controle estadual, não integrado ao Sistema Nacional de Gestão Florestal. A disseminação da prática dificulta ainda mais a atuação do Ibama, já debilitada por recentes cortes orçamentários.
Irmã da extração ilegal, a grilagem de terras também continua fora de controle. Tome-se, por exemplo, o caso da Terra Indígena Cachoeira Seca, na área de influência da usina de Belo Monte.
Regularizada em abril após mais de 30 anos de tramitação, está parcialmente tomada por cerca de mil famílias de colonos, alguns assentados pelo próprio governo federal. Registra 1.300 quilômetros de estradas abertos por madeireiros.
Esse descalabro, tão comum em toda a Amazônia, fez do país o mais perigoso para ambientalistas. Segundo a ONG britânica Global Witness, foram 50 mortos no ano passado. A vítima mais recente parece ser o secretário de Meio Ambiente de Altamira (PA), Luiz Araújo, assassinado a tiros no último dia 13.
Rodeadas por pastos subutilizados, dependentes de atividades ilegais e com infraestrutura precária, as cidades empobrecidas da Transamazônica registram Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) abaixo da média nacional e estão entre as piores administrações do país, segundo o Ranking de Eficiência dos Municípios da Folha.
Ao longo da história do país, não foram poucos os projetos estatais que fracassaram devido a escolhas equivocadas ou à negligência dos governos subsequentes.
Atolada na ilegalidade, incapaz de cumprir seu lema original, a Transamazônica sem dúvida figura entre os exemplos mais eloquentes desse fracasso nacional.
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